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Violência de gênero, até quando?

O machismo subsiste em nossa sociedade, apesar dos inúmeros movimentos sociais que o combatem. Por que combatê-lo?

É a principal causa de violência contra mulheres e a população LGBT, tais como assassinatos, estupros, agressões físicas, verbais, psicológicas, patrimoniais, um “estrago” em uma sociedade que se rege pelo respeito aos direitos humanos (será?).

Recente pesquisa realizada pelo Ipea sobre a tolerância social à violência contra as mulheres, vem causando comentários na mídia, reações na internet, manifestações de feministas, devido a seus resultados. Duas questões da pesquisa sugerem que a culpa pelo estupro é das próprias mulheres, porque se vestem com roupas que mostram o corpo e porque elas “não sabem se comportar”. A repercussão deu-se pelo fato de que estas afirmações receberam a concordância da maioria da população investigada (65% e 58,5% respectivamente, em um total de 3.810 pessoas). Outro dado: 66,5% dos entrevistados são mulheres!

Não vou comentar sobre a falácia da culpabilização da mulher pelo estupro do qual é vítima (já bastante comentado, e com razão), mas vou me deter em interpretar o machismo que está aí implícito. Concepções como as de que a mulher é subordinada ao homem, que ela é sua propriedade, seu objeto, que ela deve sujeitar-se a sua vontade – ou seja, concepções que a inferiorizam perante a dominação masculina – fazem parte do imaginário machista. É uma característica cultural que existe há séculos no Brasil e vem sendo sistematicamente reproduzida através de gerações. Como e por que isso acontece?

Meninos são criados para comandar, liderar, com estímulo às manifestações de agressividade e a se tornarem “garanhões”. Os pais ensinam “não traga desaforo pra casa, revide!”, “namore bastante” e, quando ficam sabendo que este filho já transou com alguma mulher, muitas vezes comemoram porque “nosso filho é macho”. Meninas são criadas para obedecer, a não reagir diante de uma provocação, a manter sempre um comportamento condizente com o de uma “boa moça”. Se ficarem sabendo que a jovem já não é virgem, surge a preocupação: “como isso aconteceu?” Nada de comemorações, e sim recomendações...

Nessa lógica está implícita, por um lado, a valorização social das características masculinas, pois dão poder aos homens; por outro, a inferiorização das mulheres, pela valorização da submissão feminina. Essa hierarquização justifica a violência contra mulheres na mente de pessoas machistas, pois elas não concebem (nem sequer aprenderam) que o respeito deve ser um comportamento essencial para com qualquer ser humano, independentemente de sexo, gênero, orientação sexual etc.

O machismo é estrutural na sociedade patriarcal; não é exclusividade dos homens. Na pesquisa, 64% concordaram com a afirmação de que “o homem deve ser a cabeça do casal”. Há também mulheres machistas que reproduzem e reafirmam a inferiorização feminina, seja na família, na escola e em suas atitudes. Para modificar esse quadro é necessária uma mudança cultural que, sem dúvida, passa pelo processo de socialização das meninas e dos meninos e pela educação formal.

A violência contra mulheres e a população LGBT diminuirá quando o machismo deixar de ser referência nas relações de gênero.

Marília Gomes de Carvalho, doutora em Antroplogia Social, é pesquisadora do Núcleo de Gênero e Tecnologia da UTFPR.

Extraído do site: Gazeta do Povo


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