Um é pouco, dois é bom, três é... melhor ainda!
Por Humberto Wendling
Preocupado com a segurança dos policiais, um representante sindical perguntou qual seria o efetivo mínimo para que esses profissionais executassem suas atividades diárias. Sinceramente, de pronto não fui capaz de responder à pergunta. Contudo, recordei aquilo que já ouvi diversas vezes: “Policial não trabalha sozinho!” De fato, esse é um argumento irrefutável. Mas a questão permanece, ou seja, qual o efetivo adequado para cada atividade policial? Talvez o mais preocupante nessa história seja que a maioria dos policiais somente tenha ouvido, e não lido uma instrução ou um parecer técnico sobre a afirmativa de que policiais não trabalham sozinhos e devem atuar em dupla, no mínimo.
O problema da ausência de normas disciplinando o assunto é sério, pois permite que a organização policial delimite tal quantitativo intuitivamente, com risco de diminuir o efetivo necessário para uma ação policial. Considerando que o dimensionamento para mais não causa prejuízo à segurança dos policiais, o mesmo não se aplica quando essa quantidade é menor.
Obviamente, ninguém pode ser ingênuo a ponto de estipular números exatos de policiais para todas as atividades, já que o trabalho policial é dinâmico por natureza. Assim, qualquer tentativa de estabelecer números exatos e obrigatórios também pode causar embaraços à prática policial. Isso não significa que a organização policial não deva estabelecer números mínimos e aceitáveis para as tarefas mais corriqueiras.
A delimitação de uma quantidade mínima de policiais é importante para evitar o comprometimento da segurança dos policiais e das instituições que eles representam. Uma norma nesse sentido evitaria os erros mais comuns cometidos por muitos profissionais: a ideia de que certas ações não são perigosas e, portanto, não demandam maiores preocupações. Então, não é raro ver apenas um policial na viatura ostensiva; ver um policial sozinho entregando intimações e inquéritos; ou trabalhando sozinho no plantão de uma unidade policial (com documentos sigilosos, arquivos importantes, equipamentos modernos, armas e munições, materiais entorpecentes e outros bens apreendidos).
Certa vez, o chefe de uma delegacia de polícia disse ao responsável pelo setor de operações: “Eu não me responsabilizo por policial trabalhando sozinho! Trabalho policial é feito no mínimo em dupla!” Então, o outro policial indagou: “Mas nós temos prazos para cumprir os expedientes!” E o chefe respondeu: “Eu não estou preocupado com os expedientes! Que atrasem!”
É comum o policial, no intuito de concretizar uma missão, pegar um atalho para não perder a oportunidade. Um atalho, como o nome já diz, é o caminho mais curto para se alcançar um objetivo. Normalmente, isso ocorre quando o policial trabalha sozinho ou em quantidade inferior ao necessário para a segurança da equipe.
Posso afirmar, sem medo de errar, que a maioria dos policiais brasileiros já realizou alguma atividade sem a proteção de um colega. Para que você tenha uma ideia, já participei de operação antidrogas com mais dois colegas, enquanto os traficantes somavam seis pessoas. Já abordei suspeitos em um veículo com apenas uma viatura e mais um colega. Já tirei plantão sozinho e também já dirigi viaturas ostensivas sozinho. Quando você faz isso e nada acontece, ninguém se importa, pois o trabalho foi feito. Mas quando algo dá errado, alguém logo pergunta se o policial estava sozinho ou afirma que ele agiu em desacordo com os procedimentos de segurança.
Em Manaus/AM, no dia 16/10/2011, um policial civil de 52 anos foi assassinado dentro da viatura que dirigia. O policial voltava do Instituto Médico Legal (IML) juntamente com um homem preso por porte ilegal de arma, que fizera exames de corpo de delito. Segundo a polícia, durante o procedimento de rotina, o preso sacou a arma do policial e atirou contra ele duas vezes. O preso fugiu com a viatura, que foi abandonada depois. Você quer saber qual foi o posicionamento da organização policial da qual a vítima fazia parte? O chefe do policial disse: "...o policial errou e não seguiu o procedimento padrão adotado pela polícia." E segue: "O policial não poderia ter ido sozinho na viatura com o infrator, tampouco deixá-lo sem algemas e no banco do carona.” Tal posicionamento está correto, mesmo na ausência da regra escrita, pois é o que dita a tradição policial.
Porém, se o procedimento não está normatizado (escrito), o policial fica à mercê do entendimento da chefia ou do próprio juízo, ainda que incorreto. Aí, funciona assim: a polícia sabe e permite que o funcionário trabalhe sozinho, pois alega insuficiência de efetivo. Já o policial aceita e muitas vezes promove a situação por três motivos: não quer ser responsabilizado disciplinarmente por "descumprir" ordens; não quer ser considerado metódico, implicante ou medroso por cobrar a presença de outro policial; ou acha que não há perigo em trabalhar sozinho. Enquanto essa situação não provoca maiores consequências, todos os envolvidos seguem sua rotina. Mas quando o policial morre, adivinha quem vai ser o único culpado?
Assim, se a conduta está regulamentada, nem a chefia nem o policial poderão justificar um erro técnico.
No portal de notícias “www.odiario.com” consta uma matéria informando que no município de Munhoz de Melo/PR há 3.600 habitantes, mas apenas um policial militar é destacado para realizar a segurança. A polícia informou que o efetivo policial é reduzido, e para não deixar o município sem proteção, é enviado um policial para realizar o policiamento. Bem, e quem protege o policial de Munhoz de Melo?
Em dezembro do ano passado, um policial rodoviário federal, de moto e sozinho, foi assassinado durante uma perseguição em Florianópolis/SC. Nos Estados Unidos, dos 69 agentes do DEA (Drug Enforcement Administration) que constam na galeria de honra do órgão, 16 (23%) foram assassinados quando estavam SOZINHOS em operações sob disfarce (infiltração). Outros 20 agentes (29%) morreram em acidentes aéreos relacionados ao trabalho policial. E apenas seis (9%) foram mortos durante operações policiais ostensivas, quando operavam em grupo.
Então, as galerias de heróis de várias organizações policiais mundo afora estão repletas de homens que, infelizmente, na hora da morte estavam sozinhos tentando prestar o melhor serviço possível. Se há unanimidade em se afirmar que muitos policiais morrem apenas porque estavam sozinhos e de folga, o que pensar sobre estar sozinho exercendo uma atividade arriscada?
Quando você está de folga, existem lugares que você não frequenta, bem como pessoas com as quais não interage, pois não fazem parte do seu ambiente pessoal. Entretanto, o trabalho de polícia o força a interagir com pessoas estranhas e permanecer em lugares que as pessoas normais não gostariam de estar. Então, imagine como seria estar em lugares assim e sozinho. E a velha desculpa de que não há efetivo suficiente não se aplica quando alguém corre risco de morte. Se a função da polícia é defender vidas inocentes, o mesmo se aplica à integridade física, mental e emocional dos próprios policiais.
Felizmente, existe uma recomendação sobre o assunto na Polícia Federal. O caderno didático da disciplina “Abordagem”, da Academia Nacional de Polícia (ANP) informa que uma equipe policial destacada para prender um só indivíduo deve ser composta, ao menos, por quatro policiais. Apesar de informar que a equipe pode ser formada por duas ou três pessoas, dependendo da situação, a recomendação desaconselha a abordagem feita por apenas um policial. Para a abordagem de um veículo parado, a recomendação é de seis policiais, no mínimo. Em ônibus, a equipe deve conter nove indivíduos. Construções de pequeno e médio porte: quatro e sete policiais, respectivamente (equipes mínimas).
O cálculo do efetivo necessário para as atividades policiais depende de vários fatores, como por exemplo, a complexidade da operação (considerando a quantidade e as características dos alvos, dos locais, dos horários e as circunstâncias das atividades), o efetivo policial disponível no momento da necessidade, o efetivo treinado para uma ocorrência específica, o transporte e os equipamentos disponíveis e a urgência no emprego da equipe.
É claro que a urgência da missão não pode ser mais importante que a segurança dos policiais. Pelo menos, é assim que deveria ser. Talvez a solução para a eterna carência de efetivo fosse estabelecer um nível de treinamento semelhante aos dos grupos de ações especiais. Assim, mesmo um pequeno grupamento de policiais poderia fazer frente à maioria das ocorrências devido ao treino e equipamento aprimorados.
Mas na prática, a teoria é outra, e apesar da falta de normas, algo deve ser padronizado em vista da experiência e da tradição policiais e dos riscos envolvidos. Quer dizer, trabalho policial não se faz sozinho. E a quantidade mínima de policiais para ações de EXTREMA SIMPLICIDADE é em número de DOIS (podendo ser mais).
Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e Professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.
E-mail: humberto.wendling@ig.com.br
Blog: www.comunidadepolicial.blogspot.com
Twitter: twitter.com/HumbertoWendlin
Preocupado com a segurança dos policiais, um representante sindical perguntou qual seria o efetivo mínimo para que esses profissionais executassem suas atividades diárias. Sinceramente, de pronto não fui capaz de responder à pergunta. Contudo, recordei aquilo que já ouvi diversas vezes: “Policial não trabalha sozinho!” De fato, esse é um argumento irrefutável. Mas a questão permanece, ou seja, qual o efetivo adequado para cada atividade policial? Talvez o mais preocupante nessa história seja que a maioria dos policiais somente tenha ouvido, e não lido uma instrução ou um parecer técnico sobre a afirmativa de que policiais não trabalham sozinhos e devem atuar em dupla, no mínimo.
O problema da ausência de normas disciplinando o assunto é sério, pois permite que a organização policial delimite tal quantitativo intuitivamente, com risco de diminuir o efetivo necessário para uma ação policial. Considerando que o dimensionamento para mais não causa prejuízo à segurança dos policiais, o mesmo não se aplica quando essa quantidade é menor.
Obviamente, ninguém pode ser ingênuo a ponto de estipular números exatos de policiais para todas as atividades, já que o trabalho policial é dinâmico por natureza. Assim, qualquer tentativa de estabelecer números exatos e obrigatórios também pode causar embaraços à prática policial. Isso não significa que a organização policial não deva estabelecer números mínimos e aceitáveis para as tarefas mais corriqueiras.
A delimitação de uma quantidade mínima de policiais é importante para evitar o comprometimento da segurança dos policiais e das instituições que eles representam. Uma norma nesse sentido evitaria os erros mais comuns cometidos por muitos profissionais: a ideia de que certas ações não são perigosas e, portanto, não demandam maiores preocupações. Então, não é raro ver apenas um policial na viatura ostensiva; ver um policial sozinho entregando intimações e inquéritos; ou trabalhando sozinho no plantão de uma unidade policial (com documentos sigilosos, arquivos importantes, equipamentos modernos, armas e munições, materiais entorpecentes e outros bens apreendidos).
Certa vez, o chefe de uma delegacia de polícia disse ao responsável pelo setor de operações: “Eu não me responsabilizo por policial trabalhando sozinho! Trabalho policial é feito no mínimo em dupla!” Então, o outro policial indagou: “Mas nós temos prazos para cumprir os expedientes!” E o chefe respondeu: “Eu não estou preocupado com os expedientes! Que atrasem!”
É comum o policial, no intuito de concretizar uma missão, pegar um atalho para não perder a oportunidade. Um atalho, como o nome já diz, é o caminho mais curto para se alcançar um objetivo. Normalmente, isso ocorre quando o policial trabalha sozinho ou em quantidade inferior ao necessário para a segurança da equipe.
Posso afirmar, sem medo de errar, que a maioria dos policiais brasileiros já realizou alguma atividade sem a proteção de um colega. Para que você tenha uma ideia, já participei de operação antidrogas com mais dois colegas, enquanto os traficantes somavam seis pessoas. Já abordei suspeitos em um veículo com apenas uma viatura e mais um colega. Já tirei plantão sozinho e também já dirigi viaturas ostensivas sozinho. Quando você faz isso e nada acontece, ninguém se importa, pois o trabalho foi feito. Mas quando algo dá errado, alguém logo pergunta se o policial estava sozinho ou afirma que ele agiu em desacordo com os procedimentos de segurança.
Em Manaus/AM, no dia 16/10/2011, um policial civil de 52 anos foi assassinado dentro da viatura que dirigia. O policial voltava do Instituto Médico Legal (IML) juntamente com um homem preso por porte ilegal de arma, que fizera exames de corpo de delito. Segundo a polícia, durante o procedimento de rotina, o preso sacou a arma do policial e atirou contra ele duas vezes. O preso fugiu com a viatura, que foi abandonada depois. Você quer saber qual foi o posicionamento da organização policial da qual a vítima fazia parte? O chefe do policial disse: "...o policial errou e não seguiu o procedimento padrão adotado pela polícia." E segue: "O policial não poderia ter ido sozinho na viatura com o infrator, tampouco deixá-lo sem algemas e no banco do carona.” Tal posicionamento está correto, mesmo na ausência da regra escrita, pois é o que dita a tradição policial.
Porém, se o procedimento não está normatizado (escrito), o policial fica à mercê do entendimento da chefia ou do próprio juízo, ainda que incorreto. Aí, funciona assim: a polícia sabe e permite que o funcionário trabalhe sozinho, pois alega insuficiência de efetivo. Já o policial aceita e muitas vezes promove a situação por três motivos: não quer ser responsabilizado disciplinarmente por "descumprir" ordens; não quer ser considerado metódico, implicante ou medroso por cobrar a presença de outro policial; ou acha que não há perigo em trabalhar sozinho. Enquanto essa situação não provoca maiores consequências, todos os envolvidos seguem sua rotina. Mas quando o policial morre, adivinha quem vai ser o único culpado?
Assim, se a conduta está regulamentada, nem a chefia nem o policial poderão justificar um erro técnico.
No portal de notícias “www.odiario.com” consta uma matéria informando que no município de Munhoz de Melo/PR há 3.600 habitantes, mas apenas um policial militar é destacado para realizar a segurança. A polícia informou que o efetivo policial é reduzido, e para não deixar o município sem proteção, é enviado um policial para realizar o policiamento. Bem, e quem protege o policial de Munhoz de Melo?
Em dezembro do ano passado, um policial rodoviário federal, de moto e sozinho, foi assassinado durante uma perseguição em Florianópolis/SC. Nos Estados Unidos, dos 69 agentes do DEA (Drug Enforcement Administration) que constam na galeria de honra do órgão, 16 (23%) foram assassinados quando estavam SOZINHOS em operações sob disfarce (infiltração). Outros 20 agentes (29%) morreram em acidentes aéreos relacionados ao trabalho policial. E apenas seis (9%) foram mortos durante operações policiais ostensivas, quando operavam em grupo.
Então, as galerias de heróis de várias organizações policiais mundo afora estão repletas de homens que, infelizmente, na hora da morte estavam sozinhos tentando prestar o melhor serviço possível. Se há unanimidade em se afirmar que muitos policiais morrem apenas porque estavam sozinhos e de folga, o que pensar sobre estar sozinho exercendo uma atividade arriscada?
Quando você está de folga, existem lugares que você não frequenta, bem como pessoas com as quais não interage, pois não fazem parte do seu ambiente pessoal. Entretanto, o trabalho de polícia o força a interagir com pessoas estranhas e permanecer em lugares que as pessoas normais não gostariam de estar. Então, imagine como seria estar em lugares assim e sozinho. E a velha desculpa de que não há efetivo suficiente não se aplica quando alguém corre risco de morte. Se a função da polícia é defender vidas inocentes, o mesmo se aplica à integridade física, mental e emocional dos próprios policiais.
Felizmente, existe uma recomendação sobre o assunto na Polícia Federal. O caderno didático da disciplina “Abordagem”, da Academia Nacional de Polícia (ANP) informa que uma equipe policial destacada para prender um só indivíduo deve ser composta, ao menos, por quatro policiais. Apesar de informar que a equipe pode ser formada por duas ou três pessoas, dependendo da situação, a recomendação desaconselha a abordagem feita por apenas um policial. Para a abordagem de um veículo parado, a recomendação é de seis policiais, no mínimo. Em ônibus, a equipe deve conter nove indivíduos. Construções de pequeno e médio porte: quatro e sete policiais, respectivamente (equipes mínimas).
O cálculo do efetivo necessário para as atividades policiais depende de vários fatores, como por exemplo, a complexidade da operação (considerando a quantidade e as características dos alvos, dos locais, dos horários e as circunstâncias das atividades), o efetivo policial disponível no momento da necessidade, o efetivo treinado para uma ocorrência específica, o transporte e os equipamentos disponíveis e a urgência no emprego da equipe.
É claro que a urgência da missão não pode ser mais importante que a segurança dos policiais. Pelo menos, é assim que deveria ser. Talvez a solução para a eterna carência de efetivo fosse estabelecer um nível de treinamento semelhante aos dos grupos de ações especiais. Assim, mesmo um pequeno grupamento de policiais poderia fazer frente à maioria das ocorrências devido ao treino e equipamento aprimorados.
Mas na prática, a teoria é outra, e apesar da falta de normas, algo deve ser padronizado em vista da experiência e da tradição policiais e dos riscos envolvidos. Quer dizer, trabalho policial não se faz sozinho. E a quantidade mínima de policiais para ações de EXTREMA SIMPLICIDADE é em número de DOIS (podendo ser mais).
Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e Professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.
E-mail: humberto.wendling@ig.com.br
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Twitter: twitter.com/HumbertoWendlin