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Sindicato tem legitimidade para a defesa de direitos difusos

Gustavo Filipe Barbosa Garcia é doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista e pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Atua como professor universitário, advogado e consultor jurídico. Foi juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, procurador do Trabalho do Ministério Público da União e auditor fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalhoional coletiva vem se consolidando como forma eficaz de solucionar os diversos conflitos de natureza transindividual, frequentemente observados nas relações sociais.

A respeito do tema, observa-se a presença de um sistema de tutela jurisdicional metaindividual, com fundamento na Constituição da República, no qual merecem destaque o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) e a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993), entre outras normas legais, viabilizando a solução uniforme e concentrada de controvérsias envolvendo várias pessoas e grupos atingidos por violações coletivas de direitos.

Os mencionados diplomas legislativos, os quais são aplicáveis também à Justiça do Trabalho, apresentam importantes disposições na regulamentação dessa modalidade de processo coletivo[1].

A Ação Civil Pública tem fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição da República, ao prever entre as funções institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas no mencionado art. 129 não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto na Constituição Federal de 1988 e na lei (art. 129, § 1º, da CRFB).

A legitimidade para o ajuizamento de ações civis públicas e ações coletivas, portanto, mesmo na Justiça Laboral, não é exclusiva do Ministério Público do Trabalho. As entidades sindicais, por terem natureza jurídica de associações privadas[2], também a possui, conforme os arts. 8º, inciso III, 129, § 1º, da Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso V, da Lei 7.347/1985, e art. 82, inciso IV, da Lei 8.078/1990.

Efetivamente, o art. 82, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, arrola as associações como entes legitimados para o ajuizamento de ações coletivas. Isso também é previsto no art. 5º, inciso V, da Lei da Ação Civil Pública.

Faz-se necessário que a associação seja legalmente constituída há pelo menos um ano e que inclua entre seus fins institucionais a defesa dos direitos e interesses que visa a proteger. O § 1º do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor e o § 4º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública dispõem que o requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz “quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”.

Quanto aos fins institucionais do sindicato, certamente envolvem a defesa dos interesses e direitos (coletivos e individuais) da categoria como um todo (art. 8º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, e art. 513, a, da CLT). Consequentemente, torna-se evidente a legitimidade conferida ao sindicato, na defesa dos direitos coletivos (lato sensu) pertinentes à categoria.

É certo que nem todos os integrantes da categoria são filiados ao respectivo sindicato, atendendo ao princípio da liberdade de associação (arts. 5º, inciso XX, e 8º, inciso V, da Constituição Federal de 1988). Ainda assim, a mencionada legitimação não se restringe aos associados propriamente, mas abrange todos os integrantes da categoria, pois a pertinência temática, quanto ao sindicato, refere-se à defesa de direitos relativos à categoria e de todos os seus integrantes, e não somente de quem se filiou.

Destaca-se, sobre esse tema, importante decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal:

“Processo civil. Sindicato. Art. 8º, III, da Constituição Federal. Legitimidade. Substituição processual. Defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais. Recurso conhecido e provido. O artigo 8º, III, da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido.” (STF, Pleno, RE 210029/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJ 17.08.2007).

O sindicato, como se nota, tem legitimidade para a defesa de direitos difusos, coletivos em sentido estrito, bem como dos direitos individuais homogêneos, de titularidade da categoria e de seus componentes.

Nesse sentido, consoante o art. 8º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas”.

Conforme assevera Amauri Mascaro Nascimento: “Ressalte-se, também, que os sindicatos podem cumprir uma importante função; têm eles poderes conferidos, em nível constitucional, pelo disposto no art. 8º, III, da Lei Maior, quando declara que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Ora, se o preceito constitucional literalmente declara que os interesses coletivos e individuais dos trabalhadores e da categoria por estes organizada competem ao sindicato, é forçoso reconhecer que a esfera de atuação sindical tem pleno amparo no ordenamento jurídico. Cumpre aos sindicatos efetivá-la”[3].

Cabe, assim, ao sindicato da categoria profissional, cumprir o seu papel constitucional, na defesa dos direitos dos integrantes de sua categoria[4]. Logo, na hipótese de direito da categoria, de caráter coletivo ou individual homogêneo, incide a legitimidade de atuação pelo respectivo sindicato, mesmo como substituto processual, conforme jurisprudência do STF, acima transcrita.

Pode-se dizer, inclusive, que, em se tratando da defesa de direitos metaindividuais na esfera trabalhista, o art. 8º, inciso III, da Constituição da República, ao conferir legitimidade ao sindicato, é norma especial, que, segundo as regras básicas de hermenêutica, prevalece sobre a norma geral, relativa ao Ministério Público, do art. 129, inciso III, da Constituição[5].

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 891-910.

[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1295.

[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 313.

[4] Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 286: “Quanto aos sindicatos, a Constituição lhes permitiu a defesa judicial dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, bastando-lhes o registro no Ministério do Trabalho. Embora a Lei Maior não seja expressa quanto à possibilidade de defesa de interesses difusos pelos sindicatos, entendemos estarem incluídos dentro do sentido lato da expressão interesses coletivos. Assim, nada obsta, por exemplo, a que os sindicatos defendam em juízo o meio ambiente do trabalho (interesses difusos)”.

[5] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho, cit., p. 307: “Note-se que a defesa dos interesses coletivos é atribuída, pela Constituição, art. 8º, aos sindicatos, de modo que a concorrente atribuição da Procuradoria [...] do Trabalho para a defesa de interesses coletivos poderia representar invasão de competência sindical”. Idem, ibidem, p. 316: “é de toda conveniência uma gradação entre legitimação do sindicato e legitimação do Ministério Público e se não for assim a ação civil pública poderia ser utilizada para a defesa de todos os direitos previstos nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal, e o sindicato, mesmo que legitimado a defendê-lo, ficaria prejudicado, secundarizado, em danosa contribuição para o seu enfraquecimento em nosso ordenamento jurídico e que levaria o Ministério Público a ser um braço sindical”.


Gustavo Filipe Barbosa Garcia é doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista e pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Atua como professor universitário, advogado e consultor jurídico. Foi juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, procurador do Trabalho do Ministério Público da União e auditor fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho




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