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O tumor, a maioridade penal e a hipocrisia

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Por Sidnei Alberto – Delegado de Polícia


“Hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude"
François duc de la Rochefoucauld

 
Num pronto socorro hospitalar, enquanto o paciente se debatia sob a maca, gemendo e com as duas mãos na cabeça, o médico com uma mal dissimulada impávida postura de profissional, olhava o resultado dos exames prévios e dizia calmamente ao paciente que já tinha encontrado a causa de seu problema. Suas dores de cabeça eram provenientes de um pequeno tumor cerebral que comprimia alguns nervos. Acalmando o paciente que se contraia de dor disse que a cura consistia em sessões de quimioterapia que iriam inibir o crescimento do tumor.



Não suportando as dores de cabeça que o faziam contrair-se na maca, com os olhos esbugalhados e com as mãos segurando ambas as frontes, o paciente perguntou se não lhe seria administrado um analgésico. O médico explicou-lhe que essa dor era proveniente do mal maior – o tumor, e que este é que deveria ser atacado através do tratamento quimioterápico que se daria uma vez por semana, por um período ignorado, até que houvesse o retrocesso do mal.



Mesmo para os mais leigos sabemos que um verdadeiro profissional da medicina não faria tal coisa. Iria combater o tumor com o tratamento prescrito, mas daria uma medicação para acalmar a dor sentida.



Transportando tal problema da área médica para a social, nossa sociedade sofre uma “dor de cabeça” com os crimes praticados pelos chamados “menores de idade” que não podem sofrer sanções penais iguais àqueles que já completaram a idade mínima – dezoito anos. A legislação penal brasileira é antiga e antiquada, acreditando que nossos adolescentes não possuem o entendimento completo do crime que praticam, ou melhor, não permite que chamemos o ato de crime, rotulando o mesmo produto como “ato antissocial”. Nossos legisladores creem que, como era em sua adolescência, um indivíduo com seus dezesseis anos, não possui completo entendimento do mal que está causando. Com isso ignoram, ou fingem ignorar, que o volume de informações recebidas por nossas crianças e adolescentes hoje é “monstruosamente” maior que na época de suas adolescências, mesmo num passado recente. Muitos, não querendo abalar sua base eleitoral, muitas vezes de fundo religioso, preferem apegar-se à hipocrisia justificando que de nada adianta descer a maioridade penal, pois o foco do problema está nas políticas sociais. Argumentam ainda que se tal medida for colocada em prática, aumentaremos a população carcerária e que esses “infratores” no contato com os maiores, aprenderiam a ser mais criminosos.



Mas o que fazer com a “dor de cabeça” enquanto o “tumor” não é extirpado?



As políticas sociais sempre foram extremamente lentas ou até nulas nessas áreas. Dentro das próprias escolas, onde deveria ser desenvolvido o bom comportamento e as regras de socialização, que antes estavam a cargo dos pais, os professores são por vezes espancados por alunos adolescentes insatisfeitos com suas notas e reprimendas.



A criança de hoje, deixada em creches ou, no caso das mais privilegiadas, aos cuidados de babás, são compensadas pelos pais (que se culpam por sua ausência) que passam a não colocar limites aos seus “quereres”. Até um passado recente, o papel dos pais era bem definido: pai provedor e mãe educadora, cabendo à escola somente o ensino. Já no mundo capitalista a mãe também passa a ser provedora e a educação, em sentido estrito, é jogada para as escolas que não estão preparadas para isso.



Uma criança sem limites será quase sempre, um adolescente infrator. E uma legislação que assegure sua impunidade será utilizada não só por eles, como pelos traficantes que os transformam em “operários do crime”.



A sociedade brasileira espera de seus legisladores e governantes que continuem trabalhando para fazer uma política social que possa recuperar não só o jovem infrator, mas também o “maior” criminoso, e isso seria “extirpar o tumor”. Mas devemos aplacar a “dor de cabeça social”, pois a capacidade de matar, ou cometer quaisquer outros crimes que causem comoção na sociedade, não é exclusividade daqueles considerados imputáveis.



O paternalismo que graça na política nacional não deve instigar, com a sua inoperância, o crime que agride a sociedade, pois a bala que sai do revólver manuseado por um adolescente mata tanto quanto a que sai da arma de um “maior de idade”.




 


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