Artigos

O que explica a acomodação e a inércia da administração pública no Brasil?

 Numa época em que a sociedade brasileira está reavaliando a sua forma de mensurar o desempenho dos governos e da gestão pública, merece destaque a “contundente” declaração de uma ex-dirigente do alto escalão do governo federal, na qual afirmou, numa entrevista recente, que saía frustrada por não ter tido mais celeridade nas entregas de alguns projetos essenciais do governo Dilma Rousseff. A culpa, segundo ela, seria principalmente da “acomodação e inércia da máquina pública”, que não está acostumada com uma cultura de resultado, de comprometimento de entregas.

Diante dessas argumentações, torna-se relevante destacar que os problemas enfrentados pela administração pública brasileira, que a tornou acomodada e inerte são muito mais complexos do que os apontados pela ilustre ex-dirigente. Eles são resultados de um descaso dos governantes e políticos brasileiros, ao longo da história, com raros espasmos, que nunca se preocuparam em montar uma administração pública bem estruturada, treinada, motivada, com infraestrutura e tecnologia de ponta, para apoiar o desenvolvimento do país. É oportuno lembrar que nenhum país no mundo alcançou um nível de desenvolvimento elevado, sem contar com uma administração pública competente e respeitada, capaz de responder aos anseios e demandas da sociedade.

As dificuldades no funcionamento adequado da administração, que não permitiram que a ilustre ex-dirigente tivesse o sucesso esperado na sua empreitada no governo, têm origem num passado distante, nos ranços colonialistas, na formação autoritária do Estado brasileiro, no qual prevalece uma cultura patrimonialista latente, na falta de educação, de consciência política e de cidadania da população.
Esse contexto torna instituições, ministérios, órgãos e empresas públicas presas fáceis para a captura, desmandos e negociatas de partidos e políticos populistas, para arrecadação de recursos, para financiamento de campanhas políticas, ou para atender interesses escusos de grupos e individuais. Essas deformações e desvios na administração têm um campo fértil no modelo federalista adotado pelo Brasil, que criou competências distintas entre União, estados e municípios, notadamente no campo fiscal.
As fragilidades e deficiências da administração são agravadas pelo modelo de coalizão presidencial, que visa garantir maiorias confortáveis de sustentação política ao governante, no qual as escolhas dos principais gestores são feitas pelo “político”. Nesse modelo desarrazoado de divisão do poder, que foi executado com maestria nos últimos dois governos, a competência técnica, a ética e o compromisso com a prestação de serviços públicos de qualidade, ficam relegados a um plano secundário.

Observa-se que são crescentes as cobranças da população exigindo mudanças profundas nas relações entre o Estado e a sociedade e nas formas tradicionais de administração do bem público. Querem algo que as sociedades desenvolvidas já alcançaram há bastante tempo: mais ética na política, combate aos desperdícios e à corrupção, e melhores serviços públicos. Os desconfortos e prejuízos políticos para os detentores do poder, decorrentes dessa nova postura da população brasileira está gerando inquietações e conflitos no seio do próprio governo.

Na sua avaliação, talvez a ilustre ex-dirigente não tenha levado em consideração que a administração pública se encontra acomodada e inerte em decorrência da ausência de gestores competentes e comprometidos com os interesses da população. Situação essa agravada pela opção pelo modelo patrimonialista de gestão que vem sendo intensamente retroalimentado na última década.

Não se pode esperar que uma gestão apoiada num contingente de pessoas estranhas ao serviço público, atuando em funções estratégicas, em geral, desqualificadas e dispostas a atender aos interesses dos partidos ou políticos que os indicaram, haja bons resultados. Os seus limites de desempenho tendem a ficar entre o péssimo e o medíocre.

Esse cenário descrito é agravado pelo viés centralizador, autoritário e intervencionista do modelo de gestão do governo federal, que entre outras distorções, executa uma política econômica inconsistente e dúbia, que resultou num desempenho pífio do produto interno bruto nos últimos anos; manipula dados e indicadores econômicos, que levou a uma perda de credibilidade do governo e do país junto ao mercado e aos investidores externos.

Além disso, torna a administração confusa, com a execução de dois orçamentos públicos: o anual e o de restos a pagar; e de forma deliberada, vem centralizando as suas ações na Casa Civil e no Ministério do Planejamento, suprimindo de forma crescente a colaboração e a participação das áreas técnicas, especialmente dos servidores das carreiras típicas de Estado, na formulação, implementação, execução e avaliação das políticas públicas prioritárias.

Diante desse modelo de gestão pública temerário, em execução no Brasil, fadado ao fracasso, entendo que a ilustre ex-dirigente não deveria ficar frustrada com o baixo desempenho do governo atual.

José Matias Pereira - Unb.br


volta ao topo