O preocupante aumento da venda de armas de fogo
A aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, e a convocação da primeira Campanha do Desarmamento, no ano seguinte, foram um marco na luta contra a violência no país. Logo em seguida à adoção da lei orgânica sobre armas de fogo, e no curso da entrega voluntária de armamentos, registraram-se notáveis quedas nos indicadores de homicídios em todo o país.
Isso evidencia que há uma ligação direta entre o número de assassinatos com a quantidade de armas em circulação. Ao longo destes dez anos em que vigoram critérios mais rígidos e restritivos para a aquisição de armamento, o Brasil logrou melhorar - ainda que se mantenha longe do nível ideal - a relação de assassinatos por grupos de cem mil habitantes, a medida adotada pela ONU para avaliar o grau de violência nos países-membros. Em 2003, a proporção era de 28,9/100 mil, e hoje, ainda que com pontuais variações de patamar, gira em torno dos 20,3/100 mil - o dobro do aceitável pela ONU.
É preocupante, portanto, a constatação de que voltou a ser ascendente a curva de novas autorizações (concedidas, por determinação do Estatuto, pela Polícia Federal) para a aquisição de armas de fogo. Logo após a aprovação da lei, a média de licenças girava em torno de 7 mil por ano; desde 2007, onde se localiza o ponto de inflexão, para cima, da linha de registros de novas armas, houve um incremento de 378% de permissões da PF. Em 2012, o total de registros expedidos foi de 31,5 mil, número bem superior ao nível pré-desarmamento. Em torno de 60% dessas licenças são para civis.
Apesar de serem licenças para a compra de armas no mercado legal, com destinação supostamente sob controle das autoridades, a tendência de alta exponencial das autorizações é inquietante, por diversas razões. Uma delas é que a CPI das Armas mostrou, em 2005, que a maior parte do arsenal que abastece as quadrilhas do crime organizado do país provém de desvios do mercado legal. No Brasil, há 8 milhões de armas legais em circulação; estima-se que exista um número igual na clandestinidade. Ainda que nem toda arma legal vá para a criminalidade, é razoável supor que, num universo de 8 milhões, seja considerável o reforço de armamento que, por meios enviesados, saem das lojas para as mãos dos bandidos. Causa apreensão também a constatação de que o Brasil é um dos países em que mais se mata com arma de fogo. E 70% dos homicídios são cometidos desta forma.
Aos 10 anos, o Estatuto ainda é um importante instrumento contra a violência. A aparente falta de fôlego atual não se deve a uma concepção equivocada, mas à ausência de ações do poder público, como fiscalização e apoio às campanhas para entrega voluntária de armas. Uma década é tempo suficiente para uma lei como essa, que trata de um fenômeno dinâmico, passar por uma revisão crítica, nos moldes da defendida pela Comissão de Segurança Pública da Câmara. A providência é inadiável.
Fonte:Fenapef