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O fim da era de ouro da PF

A era de ouro da Polícia Federal parece estar tendo sérios riscos de deixar de existir. As grandes operações e as prisões de criminosos, cujo cargo, influência, poder ou dinheiro não importavam, estão ameaçadas por uma determinação no mínimo estranha.

O fato é que já está vigorando há pelos menos 62 dias o formulário de dados cadastrais das operações de inteligência, que apresenta um novo campo, de preenchimento obrigatório, onde agentes federais precisam informar se dentre as pessoas investigadas existem pessoas de evidência política (pessoas politicamente expostas), contendo inclusive o nome delas. E ainda vai além, pessoas ligadas a figuras públicas importantes também devem ser mencionadas.

A presença do filtro/controle político na operação policial fica mais perceptível quando o agente responsável pela investigação ou outro servidor envolvido na operação, é convocado para esclarecer qual é exatamente a suspeita, na sede do Departamento de Polícia Federal em Brasília.

Esse controle da atividade de inteligência policial dentro da Polícia Federal, relembra as antigas ações ditatoriais onde a polícia era usada para punir os politicamente contrários à corrente que se queria estabelecer no Brasil, algo que foi praticado e sugerido pelo engenheiro químico americano Robert Hayes agente da CIA (Agência de Espionagem e Inteligência dos Estados Unidos), cuja atividade principal era auxiliar o governo brasileiro na espionagem e repressão contra militantes de esquerda durante o regime militar (1964-1985) (informação divulgada em 7 de Outubro de 2001 pelo Jornal do Brasil) e comprovado pela cientista política americana Marta Huggins em seu livro Polícia e política: Relações Estados Unidos/América Latina.

Aparentemente a situação atual continua tendo a mesma conotação política, só que agora o controle é nacional, interno e de teor impeditivo para uma boa investigação, haja vista que poderá beneficiar partidários como prejudicar contra partidários, exatamente como ocorria na cultura da ditadura.

Essa divulgação não é modelo das organizações de inteligência policial em investigações de corrupção e crimes do colarinho branco em geral, ela faz parte de um conjunto de medidas adotadas pela CIA como forma de combate à espionagem e contraespionagem cujo resultado possa colocar em risco a vida do Presidente, a soberania norte-americana ou o interesse maior da segurança de seus cidadãos em casos de terrorismo internacional.

A premissa de que a informação preenchida no formulário da Polícia Federal seria usada para dimensionar a demanda com recursos, tanto no âmbito financeiro como na utilização de efetivo a ser empregado nas ações, medidas operacionais e futuras prisões, e assim ampliar a capacidade da polícia, não justifica.

Se esse fosse o caso, Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, condenado a 12 anos e sete meses de prisão por diversos crimes, inclusive corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não teria logrado êxito em sua fuga. Pelo contrário, o enfraquecimento do controle de vazamento em investigações facilita justamente ações como a de Pizzolato, que está refugiado na Itália, país cujo acordo de extradição com o Brasil, não é obrigado a extraditá-lo porque ele possui dupla cidadania.

Seja qual for a intenção para a adoção desse procedimento, ela precisa de uma fundamentação melhor, afinal, a própria assessoria da Polícia Federal declarou que essas informações alimentam o sistema eletrônico da PF e são repassadas para o Ministério da Justiça, onde o próprio Ministro José Eduardo Cardozo fica ciente de todos os políticos em evidência investigativa.

São controles desse tipo que tem causado grande diminuição na capacidade de ação e na produtividade da Polícia Federal, como por exemplo o número de indiciados nos crimes de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal), geralmente relacionados ao crime organizado, onde a atuação caiu de 4.941 indiciados em 2007, para apenas 759 em 2013 (dados obtidos até o final do mês de novembro) conforme o gráfico acima demonstra, além de mostrar o que está acontecendo em outras modalidades de combate ao crime, algumas mais alinhadas às condutas ilegais de pessoas de evidência política.

O controle político sobre a polícia é uma desvirtuação da segurança pública. As polícias estaduais já sofrem com isso através de fortes pressões do poder executivo eleito, e vivem em constante luta pela capacidade de atuar com liberdade de ação. As polícias judiciárias pouco intervém nos crimes envolvendo políticos, justamente por estarem em papel de dependência.

Proteger e servir o cidadão brasileiro é dever da polícia, e essa obrigação não é somente com aqueles que detêm algum tipo de poder ou influência, mas também, e principalmente, com aqueles mais necessitados de uma polícia forte.

A divulgação de informação sigilosa pode trazer sérios prejuízos à sociedade, pois o controle político da atividade policial age como meio inibidor da capacidade de investigação.

A sociedade brasileira precisa de uma segurança pública plena, exercida por uma polícia que não tenha sua capacidade limitada pelas forças políticas e sim por sistemas legítimos de aferição da qualidade de trabalho. Onde agentes não sejam colocados em posições fragilizadas, no caso de se depararem com criminosos que usam ternos e gravatas, cuja prática criminosa é sutil e muitas vezes muito mais cruéis do que aquela imagem do bandido estereotipado que pulula o imaginário popular.

SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.


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