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Marco civil da internet – uma lei que ainda precisa de regulamentação

 A Lei nº 12.965, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 24 de abril de 2014, entrará em vigor no final de junho e tem por finalidade estabelecer os “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil”.

O projeto ganhou ênfase em 2013, após a divulgação de notícias sobre espionagem por parte dos EUA, em relação a e-mails da presidente Dilma Rousseff e outros órgãos do governo e empresas estatais, e teve sua tramitação acelerada.

Considerado por muitos como um Código Civil da internet ou até mesmo Constituição da internet, o texto depende de regulação em diversos pontos, não se assemelhando à completude da legislação civil, nem à feição de assegurar direitos e garantais de forma detalhada como no texto constitucional.

O legislador reuniu princípios que já estavam em nosso ordenamento jurídico e aplicados pelos tribunais brasileiros. Porém, merecem destaque na lei os pontos que tratam da neutralidade, da privacidade e da liberdade de expressão na internet, pontos estes que, mesmo durante a rápida discussão do projeto, já vinham sendo objeto de análise pelo Poder Judiciário, já que a internet é meio que se encontra à nossa disposição há muito tempo, tanto para o lazer como para o trabalho, principalmente.

O primeiro ponto referido, e que já era objeto de discussão anteriormente, por reclamação continuada por parte de usuários, é a neutralidade da rede, prevista no artigo 9º da lei, nos seguintes termos: Art. 9º “O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.

Por esse princípio, as operadoras ou fornecedoras de serviço de internet não podem tratar diferentemente os usuários de acordo com o uso feito. Ou seja, a demanda, numa contratação por determinada velocidade, deve ser a mesma para quem navega ou apenas utiliza serviços de e-mail ou para downloads. Uma das comparações mais interessantes sobre esse princípio feitas em notícias divulgadas é com a energia elétrica, em que não interessa o tipo de aparelho que você conecta à tomada! A concessionária deve disponibilizar a energia.

O parágrafo primeiro deste dispositivo já prevê que a discriminação do tráfego será regulamentada por decreto presidencial, em casos específicos, onde se constatar a necessidade de tal diferenciação para a prestação adequada dos serviços e aplicações, e, também, para a priorização de serviços de emergência.

No que tange à privacidade, o artigo 7.° da lei garante ao usuário o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, ao sigilo do fluxo e de suas comunicações, à exceção dos casos em que houver ordem judicial. Ou seja, o conteúdo poderá ser acessado em casos de ordem judicial e a utilização dos dados do usuário só poderá efetivar-se com outros propósitos em caso de autorização expressa deste.

O artigo 15 da lei obriga os provedores de internet a manter os registros de acesso a aplicações de internet de seus usuários, sob sigilo, pelo prazo de 6 (seis) meses.

Além desse prazo, há a possiblidade do mesmo ser aumentado, em razão de ordem judicial específica. A qualquer autoridade policial, administrativa e ao Ministério Público, também é assegurado o direito de ter acesso e manutenção dessas informações por prazo superior a 6 (seis) meses, com a finalidade acautelatória ou não, para os casos de investigação, nos quais, sabidamente, há a necessidade de maior colheita de provas, ainda mais quando se tratar de crimes relacionados a grande operações policiais.

No que se refere à liberdade de expressão, nos termos do que já vinha decidindo o Poder Judiciário, os provedores de internet não podem ser responsabilizados pelo conteúdo divulgado por terceiros, a menos que, instados judicialmente, não promovam a sua retirada no prazo determinado.

Quando a divulgação for de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, sem autorização de seus participantes, o pedido de retirada poderá ser feito através de notificação extrajudicial por parte do participante do material, com elementos que permitam a identificação específica desse material tido como violador da intimidade, nos temos do que prevê o artigo 21 e parágrafo único da lei.

Esse ponto, de extrema importância, traz mais celeridade à retirada de material não autorizado com conteúdo sexual da internet, em um tempo em que as informações que possam denegrir a imagem das pessoas se alastram de forma viral no mundo virtual.

Também em caso de desobediência, na hipótese de não atendimento da solicitação da parte lesada, que não autorizou a divulgação do material, o provedor de internet poderá ser responsabilizado subsidiariamente.

Por fim, ausência sentida na nova lei é o que toca aos direitos autorais e conexos no trato relativo à internet, já que uma legislação que assume papel de pretensa constituição deveria regulamentá-los de maneira adequada, não relegando sua sistematização à legislação futura.

Paulo Roberto Narezi, advogado, é especialista em Direito Civil


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