Estado deve ser responsabilizado por queimas de ônibus
Durante o ano de 2013 e já neste primeiro mês de 2014, os ônibus das grandes cidades do país estão sofrendo uma série de ataques, desde simples vandalismo de adolescentes aos bárbaros incêndios dos veículos, muitos com vítimas de queimaduras.
Há muito tempo os sociólogos analisam essas ocorrências como sendo ataques ao Estado, na maioria das vezes motivados pela incúria dos governantes no trato das questões sociais. Como o Estado é inacessível à população, a sensação mais concreta da presença do Estado passa a ser o ônibus, sempre servindo nos lugares mais periféricos da cidade e historicamente aos mais desassistidos.
Assim, qualquer ausência ou falha no serviço público, como falta de água, de vagas em escola ou atropelamento de crianças, pode se transformar em revolta contra um governo eleito.
Mesmo antiga, a análise ainda parece ser válida nos dias de hoje, mas agora com um agravante: a repetição ad nauseam dos carros incendiados nas telas da televisão e nos boletins das rádios e o tratamento muitas vezes pirotécnico (desculpem o trocadilho) que parte da mídia vem dando a esses incêndios acabam por repercutir com lentes de muitos aumentos esses ataques. Isso faz com que esse tipo de ato se transforme em alternativa para a população chamar a atenção das autoridades sobre determinado assunto.
Mas o que se pretende discutir neste artigo é que já é hora de começar a mudar a jurisprudência dos tribunais, condenando o Estado pela sua omissão em resguardar a integridade de pessoas e bens, um de seus mais importantes deveres.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, parágrafo 6º, determina: “... pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros...”. Mas a responsabilidade objetiva que recai sobre o Estado não é absoluta. Há que se discutir se há ou não omissão culposa dos agentes de segurança do Estado em prevenir este tipo de acontecimento.
Atualmente, essas ações sempre acabam com sentenças contrárias às empresas de transporte, pois a jurisprudência dos tribunais é unânime em absolver o Estado. O argumento é forte: o Estado não pode estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo e não há como o Estado saber que alguém vai incendiar um ônibus. Assim, não há ação omissiva do Estado e, portanto, não se estabelece o nexo causal. O Estado não é o segurador universal.
Mas um dado tem chamado a atenção do setor de transporte nos últimos anos: parte desses ataques se deve a uma reação aos enfrentamentos da polícia que deixam vítimas.
Não cabe aqui nenhum tipo de juízo de valor sobre esses enfrentamentos. Muitos são necessários para a defesa dos policiais, outros tantos para a defesa de cidadãos. É claro que, em alguns casos, há o uso excessivo da força, tanto que as corregedorias prontamente abrem investigações nesta linha de raciocínio.
Mas o importante neste momento é a constatação de que nessas situações o Estado, por meio de seus organismos de inteligência, tem condições objetivas de saber que, nos casos de enfrentamento policial com vítimas, a possibilidade de reação de moradores, familiares ou mesmo de inocentes úteis tem enormes chances de ocorrer.
Uma dificuldade dos operadores do Direito ao enfrentar esta questão diz respeito às provas que devem ser produzidas nesses processos para demonstrar que houve desídia, inércia, falha ou falta do serviço por parte do Estado. Mas com o crescente número de casos, começa a se desenhar um cenário de que é público e notório que, havendo nos bairros confronto policial que resulte em morte, a reação será direcionada para a queima dos coletivos.
Mais ainda do que se tornar público e notório, a sociedade vem observando os milhões que estão sendo gastos com a questão da segurança, tornando os órgãos policiais mais bem equipados, com policiais mais bem treinados e, principalmente, com um grande incentivo aos setores de inteligência, com suas equipes de campo sendo reforçadas.
Dessa forma, se é verdade que já se constata que o Estado agora está mais bem aparelhado, e que é grande a probabilidade de incêndios provocados pela reação de pessoas contra uma ação policial quando há vítimas de uma comunidade, a conclusão passa a ser lógica: há condições da máquina de segurança do Estado saber quando e onde poderá haver um incêndio de ônibus. Assim, se não agir preventivamente, mantendo diálogo com as comunidades, fazendo o policiamento ostensivo preventivo, estará caracterizada sua omissão no cumprimento de um de seus deveres que é o de dar segurança. A consequência natural desta omissão é a condenação do Estado pelos prejuízos a que deu causa.
É fato que a melhor atitude policial para prevenir esses crimes é descobrir os culpados, prendê-los e enviá-los ao Poder Judiciário. Mas cabe também aos promotores de Justiça e aos juízes começarem a ver este problema com outros olhos para mudar uma jurisprudência que está se mostrando ultrapassada, condenando o Estado a ressarcir as vítimas dessa insensata ação criminosa.
Antonio Sampaio é assessor jurídico do SPUrbanuss – Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo.
Há muito tempo os sociólogos analisam essas ocorrências como sendo ataques ao Estado, na maioria das vezes motivados pela incúria dos governantes no trato das questões sociais. Como o Estado é inacessível à população, a sensação mais concreta da presença do Estado passa a ser o ônibus, sempre servindo nos lugares mais periféricos da cidade e historicamente aos mais desassistidos.
Assim, qualquer ausência ou falha no serviço público, como falta de água, de vagas em escola ou atropelamento de crianças, pode se transformar em revolta contra um governo eleito.
Mesmo antiga, a análise ainda parece ser válida nos dias de hoje, mas agora com um agravante: a repetição ad nauseam dos carros incendiados nas telas da televisão e nos boletins das rádios e o tratamento muitas vezes pirotécnico (desculpem o trocadilho) que parte da mídia vem dando a esses incêndios acabam por repercutir com lentes de muitos aumentos esses ataques. Isso faz com que esse tipo de ato se transforme em alternativa para a população chamar a atenção das autoridades sobre determinado assunto.
Mas o que se pretende discutir neste artigo é que já é hora de começar a mudar a jurisprudência dos tribunais, condenando o Estado pela sua omissão em resguardar a integridade de pessoas e bens, um de seus mais importantes deveres.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, parágrafo 6º, determina: “... pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros...”. Mas a responsabilidade objetiva que recai sobre o Estado não é absoluta. Há que se discutir se há ou não omissão culposa dos agentes de segurança do Estado em prevenir este tipo de acontecimento.
Atualmente, essas ações sempre acabam com sentenças contrárias às empresas de transporte, pois a jurisprudência dos tribunais é unânime em absolver o Estado. O argumento é forte: o Estado não pode estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo e não há como o Estado saber que alguém vai incendiar um ônibus. Assim, não há ação omissiva do Estado e, portanto, não se estabelece o nexo causal. O Estado não é o segurador universal.
Mas um dado tem chamado a atenção do setor de transporte nos últimos anos: parte desses ataques se deve a uma reação aos enfrentamentos da polícia que deixam vítimas.
Não cabe aqui nenhum tipo de juízo de valor sobre esses enfrentamentos. Muitos são necessários para a defesa dos policiais, outros tantos para a defesa de cidadãos. É claro que, em alguns casos, há o uso excessivo da força, tanto que as corregedorias prontamente abrem investigações nesta linha de raciocínio.
Mas o importante neste momento é a constatação de que nessas situações o Estado, por meio de seus organismos de inteligência, tem condições objetivas de saber que, nos casos de enfrentamento policial com vítimas, a possibilidade de reação de moradores, familiares ou mesmo de inocentes úteis tem enormes chances de ocorrer.
Uma dificuldade dos operadores do Direito ao enfrentar esta questão diz respeito às provas que devem ser produzidas nesses processos para demonstrar que houve desídia, inércia, falha ou falta do serviço por parte do Estado. Mas com o crescente número de casos, começa a se desenhar um cenário de que é público e notório que, havendo nos bairros confronto policial que resulte em morte, a reação será direcionada para a queima dos coletivos.
Mais ainda do que se tornar público e notório, a sociedade vem observando os milhões que estão sendo gastos com a questão da segurança, tornando os órgãos policiais mais bem equipados, com policiais mais bem treinados e, principalmente, com um grande incentivo aos setores de inteligência, com suas equipes de campo sendo reforçadas.
Dessa forma, se é verdade que já se constata que o Estado agora está mais bem aparelhado, e que é grande a probabilidade de incêndios provocados pela reação de pessoas contra uma ação policial quando há vítimas de uma comunidade, a conclusão passa a ser lógica: há condições da máquina de segurança do Estado saber quando e onde poderá haver um incêndio de ônibus. Assim, se não agir preventivamente, mantendo diálogo com as comunidades, fazendo o policiamento ostensivo preventivo, estará caracterizada sua omissão no cumprimento de um de seus deveres que é o de dar segurança. A consequência natural desta omissão é a condenação do Estado pelos prejuízos a que deu causa.
É fato que a melhor atitude policial para prevenir esses crimes é descobrir os culpados, prendê-los e enviá-los ao Poder Judiciário. Mas cabe também aos promotores de Justiça e aos juízes começarem a ver este problema com outros olhos para mudar uma jurisprudência que está se mostrando ultrapassada, condenando o Estado a ressarcir as vítimas dessa insensata ação criminosa.
Antonio Sampaio é assessor jurídico do SPUrbanuss – Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo.