Esforço para internação compulsória é limitado pela lei
As evidências científicas mostram que as drogas afetam e modificam de forma quase irreversível redes cerebrais específicas, que comandam o prazer, a motivação e os impulsos. Em especial no período da intoxicação aguda, a capacidade de raciocinar e de entender o que acontece ao redor fica severamente comprometida. Num tempo relativamente curto de uso do crack, por exemplo, se instala uma doença crônica de cura dificílima. Na "fissura" o dependente vende tudo o que possui, dorme na rua, come restos de lixo, não consegue trabalhar ou estudar, não consegue prover minimamente sua família, quando é por ela responsável, e não tem outra preocupação a não ser a próxima dose da droga. Ele é portador de grave alteração mental e necessita de ajuda externa para seu tratamento.
Como secretário estadual de Saúde do RS, assisti à destruição de muitos jovens, podendo fazer pouco para impedi-la. Pela lei atual, o dependente químico não pode ser tratado "contra sua vontade", a não ser quando representa risco social, o que exige uma intervenção judicial, quase sempre solicitada tardiamente.
Os governos da Prefeitura do Rio e do estado de São Paulo estão fazendo um esforço louvável, tentando, de alguma forma, ampliar o tratamento dos dependentes de drogas, em especial do crack, visando diminuir a devastação provocada pela epidemia que se alastra. Entre outros instrumentos, estão utilizando o recurso da internação compulsória previsto na lei 11.343, determinada por um juiz.
Diferente da lei 10.126 da reforma psiquiátrica, a lei sobre drogas não inclui a baixa involuntária, que seria determinada por um médico, mesmo contra a vontade do paciente. Por quê? Porque na lei da Reforma Psiquiátrica é impossível evitar a noção de que, por exemplo, num surto psicótico, o paciente esquizofrênico é incapaz de discernir o que é importante para si. Já a lei sobre drogas foi moldada num viés ideológico de que o dependente químico é um paciente clínico, e que mantém a capacidade de discernimento sobre a necessidade ou não de tratar-se. Por isso a lei 11.343, sobre drogas, repete o texto da lei 10.126, sobre internação voluntária e compulsória, mas omite a internação involuntária. Na prática isso leva a uma enorme dificuldade em iniciar o tratamento num dependente, pois se deixarmos ao seu "arbítrio" demorará muitos anos, até que alguns poucos decidam pelo tratamento, ou sejam considerados de risco social. Nesse intervalo de tempo terão sua saúde, suas relações familiares e sociais devastadas, com chance cada vez menor de recuperação. Boa parte morrerá antes de qualquer tratamento.
O esforço desses governos para internação compulsória, feito sob a forma de mutirão onde juízes colaboram, é louvável. Porém é limitado pela lei atual e acaba sendo lento, burocratizado, ficando muito aquém da demanda explosiva da epidemia.
No PL 7.663/2010, já aprovado pela Comissão Especial da Câmara, proponho, entre outras mudanças, a internação involuntária para iniciar o tratamento de dependentes das drogas. Ela é desencadeada pela solicitação da família, que pode e deve ser ouvida nessas circunstâncias, e é decidida por uma criteriosa avaliação médica, que deve ser suficiente na internação para a desintoxicação. Acontecerá mesmo contra a vontade do dependente. Livre da intoxicação aguda ele poderá raciocinar com mais clareza e decidir sobre a continuidade do tratamento. Este PL deverá ir ao plenário ainda no primeiro trimestre de 2013.
A epidemia das drogas é o mais grave problema de saúde e de segurança do nosso país. Tudo que pudermos fazer para tornar mais ágeis e eficazes as medidas de atendimento, não deve ser postergado.
Fonte:O Globo