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Entrevista do presidente do Sinpol ao jornal O Estado

Jornal O Estado

A morte de um policial civil em Campo Grande na última semana, durante uma investigação, mobilizou os seus colegas e serviu para que viessem à tona reivindicações da classe, em especial sobre salários e as condições de trabalho. Presidente do Sinpol-MS (Sindicato dos Policiais Civis de Mato Grosso do Sul), Alexandre Barbosa da Silva relata que os problemas se estendem até às sedes de boa parte das delegacias. Em Itaquiraí (406 km de Campo Grande), ele relatou problemas com as fossas no entorno do prédio. “A delegacia é tipo um queijo suíço, rodeado por fossas. À medida que vão enchendo vão construindo outra”, narrou, reclamando de problemas que incluem o mau cheiro para quem ocupa as dependências da delegacia. Na Capital, ele reforça cobranças para que o Cepol (Centro Especializado de Polícia Civil) e as delegacias especializadas sejam transferidas para o antigo fórum, no Centro. Situações como a sobrecarga de trabalho, questões psicológicas e até mesmo uma “cota de balas” são citadas pelo presidente do Sinpol-MS em entrevista a O Estado, que contrastam com a posição da Polícia Civil sul-mato-grossense em relação a comparações com as corporações dos demais Estados, sempre citada entre as dez melhores. Com o quadro, Barbosa afirma que tudo o que os policiais pedem é reconhecimento, “já que desempenhamos nosso papel com estrutura defasada, salário precário, um dos piores do país. E mesmo assim, os policiais trabalham, porque gostam do que fazem”.

O Estado – Quais avanços o Sinpol sentiu em relação às reivindicações feitas na atual gestão do sindicato?

Alexandre Barbosa da Silva – Fizemos um levantamento geral das delegacias do Estado. Ficamos quatro anos controlando isso. Em algumas,conseguimos reformas paliativas. Por exemplo, a de Itaquiraí, que estava caindo aos pedaços, com frestas nas paredes.  Reivindicamos ao governo e conseguimos, no final de 2013, uma reforma no prédio. Chegamos um dia lá e a fossa estava estourada, cheirando mal. E a delegacia é como um queijo suíço, rodeada por fossas. À medida que vai enchendo uma, constroem outra. Essa é uma situação de precariedade comum em pelo menos 70% das delegacias do Estado. Houve algumas reformas, mas poucas e paliativas. Em Campo Grande, uma das reivindicações é o prédio do Cepol, que não tem condições de atender ao público. Já fizemos manifestações e até um bolo de aniversário sobre elas. O governo disse que irá construir um prédio próprio para as especializadas, mas não dá um prazo para que isso aconteça.

O Estado – Qual a sugestão para resolver este problema?
Barbosa – Propusemos que o Cepol e as especializadas se mudem para o antigo prédio do Fórum, na avenida Fernando Corrêa da Costa. É um lugar central e que atenderia bem ao público, inclusive abrigando delegacias sobre as quais o Estado paga aluguel.

O Estado – O Sinpol também cobra o aumento do efetivo. Por quê?

Barbosa – Hoje, de acordo com relatório que fizemos em todo o Estado, faltam no mínimo mil policiais civis. O governo abriu concurso para 220 vagas de investigadores e escrivães, mas é muito pouco para suprir a demanda. Por ano, aposentam-se em média de 30 a 40 policiais, fora os que pedem exoneração porque passaram em outros concursos, já que nosso salário é baixo. Estamos em 18º lugar no ranking dos salários. Com muita pressão, o governo abriu esse concurso, mas com vagas insuficientes.
 

O Estado – Outro levantamento mostra o ranking de resolutividade de crimes. Ele é inversamente proporcional à realidade que vocês relatam...

Barbosa – Em relação a homicídios, estamos em sexto lugar no país em resolução dos casos. Em todas as áreas estamos entre as dez melhores. Nossa Polícia Civil é uma das mais eficientes do país, segundo dados do Ministério da Justiça. Pedimos esse reconhecimento ao governo, já que desempenhamos nosso papel com estrutura defasada e salário precário. Os policiais  trabalham porque gostam do que fazem. Só precisam ser incentivados.
 

O Estado – Como o sindicato vê o número de pedidos de afastamento de policiais por problemas psicológicos?

Barbosa – Quando ficamos sabendo que há um policial em licença psicológica, uma assistente social do sindicato vai até a casa dele e tenta conversar, para tentarmos encaminhá-lo ao Estado, que é o responsável. O que acarreta essa situação, principalmente? A sobrecarga de trabalho. O recurso material, que não tem. E os presos nas delegacias, que também causam estresse ao policial. A investigação e a perseguição do dia a dia a bandidos nas ruas são outros fatores. Não tem ninguém que consiga ficar são dessa forma. Reivindicamos ao governo do Estado a criação de um centro de atendimento psicológico, já que existe um grande número de policiais com esse tipo de licença. Existe o Ceapoc (Coordenadoria de Atendimento Psicossocial da Polícia Civil), mas que também trabalha precariamente. Nossa legislação, inclusive, prevê que, se o delegado percebe algum problema no policial, que o encaminhe para receber o tratamento e acompanhamento necessários.

O Estado – Isso poderia evitar situações de risco?

Barbosa – Se tivesse um acompanhamento poderia ser feita uma prevenção. Nossa vida  profissional é difícil e estressante, e alguns policiais acabam tendo dificuldade no seu meio familiar. Com relação a essa questão ainda, quem faz a gestão quer, geralmente, punir. Não vemos preocupação em resolver o problema e tratar esse policial, recuperá-lo e trazê-lo de volta ao serviço. Quando ele tira licença, querem verificar se ele realmente está com  problemas, contestar o laudo médico, tirar a arma do policial. Se ele passar 30 dias de licença, querem cortar as férias. Com essa política punitiva, a pessoa, mesmo doente, evita tirar  licença. Você já trabalha com estrutura precária, deficit de pessoal, lidando com bandidos e criminosos, sai para trabalhar sem saber se volta para casa... a tensão acompanha o dia do policial. A política tem de ser de recuperar, não punir.

O Estado – Como o sindicato lida com os bicos?

Barbosa – Por que o policial faz bico? Porque os baixos salários levam a isso. Se você quiser uma qualidade de vida melhor, um sustento mais digno para sua família, precisa fazer bico para complementar a renda. E muitas vezes, depois de passar 24 horas no serviço, em vez de passar um tempo de lazer com a família, é obrigado a complementar a renda. E nossa família cobra também nossa atenção. Por isso, estamos reivindicando fortemente nos últimos anos que o governo ofereça um salário condizente com a profissão. Servimos e protegemos a sociedade. Só precisamos de uma valorização e reconhecimento, já que nossa dedicação é praticamente exclusiva.
 

O Estado – E em relação às investigações?

Barbosa – Hoje há um decreto dizendo que vai reduzir em 20% tudo nas delegacias. Como você vai investigar se não tem combustível para o carro? Como investigar se não temos uma viatura descaracterizada? Não temos. A maioria das viaturas está baixada,estragada, sem previsão de conserto. Munições são contadas. Não vou nem dizer a quantidade para não deixar o policial exposto. Há casos de policiais que trabalham com sua própria arma, e quando estraga não tem arma para repor e ele se vê obrigado a trabalhar com um revólver “38” antigo. Sem falar no desvio de função, que são as delegacias superlotadas. Vejo o Judiciário interditando presídios. Lá, estão eles com um sistema de recuperação. O agente penitenciário fez academia para recuperar o preso. O policial é preparado na academia para investigar, mas o policial está ficando preso na delegacia para custodiar presos. O Estado está tapando o sol com a peneira. Vai à imprensa e divulga contratações, entrega de viaturas. Mas a realidade é outra. Não adianta colocar a sujeira embaixo do tapete, porque o sindicato está aqui para levantar o tapete e assoprar a sujeira, para que a sociedade saiba realmente a condição e perseguição diária que acontece conosco.

 

PERFIL

Nome: Alexandre Barbosa da Silva

Naturalidade: Bela Vista (MS)

Formação: Ciências Contábeis, hoje é investigador da Polícia

Civil de Mato Grosso do Sul.

Ocupação atual: presidente do Sinpol-MS com mandato entre 2012 e 2015.



Fonte:Jornal O Estado - Edição 03/02/2014


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