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Democracia: Mídia e um filme que se repete

O ano é 2002. Apresentadores dos telejornais convocam marchas em meio a outras notícias que traçam um cenário aterrador na Venezuela, como a alta do dólar ou o aumento do preço do feijão. O tom não é de informação, mas sim de convocação. Os veículos fazem mais do que tomar partido, agem como se fossem um. E dos mais ferozes.

Por meio de manipulação de imagens e informações falsas e/ou desencontradas, os meios locais passavam ao mundo o retrato de uma sociedade unida contra um ditador. Quando foi anunciada a queda de Chávez, um apresentador de telejornal brasileiro chegou a saudar o que denominou de “golpe cívico”, expressão criada para justificar a derrubada de um presidente eleito e referendado pela população. Nada a se estranhar dado que o jornalista trabalhou muito tempo em um jornal que denominava o regime militar brasileiro de “ditabranda”.

Alguns dos elementos que se faziam presentes naquela ocasião se repetem hoje no cenário atual da Venezuela, que traz reflexões relativas não somente ao país em si, mas aos próprios percalços que tantos outros países, em especial os da América Latina, enfrentam para consolidar suas democracias.

Como é mencionado no artigo publicado nesta edição de Fórum Digital, por mais que alguns considerassem Chávez “ditador” ou “censor”, o fato é que, “dos quatro canais de televisão aberta com cobertura nacional, três deles (Venevísion, Globovísion e Televén) são da oposição e compõem 90% da audiência”. Em relação aos jornais, “80% dos meios são privados; os três diários de maior alcance nacional (El Universal, El Nacional e Últimas Notícias) são da oposição, especialmente os dois primeiros, que concentram 90% dos leitores”. Ou seja, a concentração midiática, prejudicial à qualquer democracia no mundo, também impera no país de Nicolás Maduro.

Além disso, diferentemente de 2002, hoje temos uma grande participação das redes sociais na circulação de informação. E lá, como cá, há sempre os que se dispõem a fazer o jogo sujo levando mentiras para fora do país, forjando imagens e criando relatos fantasiosos e difamatórios. E, é bom que se diga, constatar e denunciar essa realidade não significa desculpar falhas e atitudes autoritárias do governo Maduro. Mas não contar a história completa e descontextualizá-la é algo pernicioso ao dever informativo.

O contraditório é um dos pilares de uma sociedade democrática e a concentração de poder em poucos veículos de comunicação é algo que fragiliza as instituições. Na Venezuela, aqui e em qualquer outro lugar em que haja quadro semelhante. E é essa reflexão que muitos não querem levar adiante, mas que continua sendo fundamental.



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