Consumo de drogas é uma questão de saúde pública
Os Estados Unidos da América, por décadas, dita e influencia a política de drogas na quase totalidade dos países da América Latina, política repressora e punitiva, uma verdadeira “guerra às drogas”. O atual ocupante da Casa Branca, Barack Obama, declarou em recente entrevista que a maconha que fumou na juventude não é uma droga pior que o álcool e que a repressão aos usuários se converteu em perseguição às minorias. Afirmando que, “não é algo que encoraje, e disse às minhas filhas que considero (fumar marijuana) uma má ideia, uma perda de tempo, que não é muito saudável”, ele continuou dizendo que “mas não devíamos estar a condenar miúdos ou consumidores individuais a longas sentenças de prisão quando algumas das pessoas que fazem essas leis fizeram provavelmente a mesma coisa”. Soma-se a esta declaração o fato de que alguns estados norte-americanos, como o Colorado, já estão admitindo o uso da cannabis para fins recreativos e em outros estados, como o Alasca, por exemplo, 53% da população apoiam a liberação da droga.
O nosso vizinho Uruguai, no último mês de dezembro, legalizou a produção, distribuição e venda da maconha sob o controle do Estado. Todos os uruguaios ou residentes no país, maiores de 18 anos, que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha poderão comprar a erva em farmácias autorizadas.
Em Portugal, desde 1º de Julho de 2001 (Lei 30/2000, de 29 de Novembro), a aquisição, posse e consumo de qualquer droga não mais caracterizam crime constituindo apenas violações na esfera administativa, onde não há prisão. Desde então, o uso de droga em Portugal está entre os mais baixos da Europa, sobretudo quando comparado com estados com regimes de criminalização mais rigorosos. O consumo diminuiu entre os mais jovens e reduziram-se a mortalidade (de 400 para 290, entre 1999 e 2006) e as doenças associadas à droga.
Enquanto isto, no Brasil o número de presos condenados por tráfico vem aumentando desproporcionalmente. O número de presos condenados por tráfico de drogas cresceu 30% nos últimos dois anos, passando de 106.491 em 2010 para 138.198 em 2012. No mesmo período, o número de presos em geral aumentou apenas 10%, passando de 496.251 para 548.003, segundo o último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, concluído em dezembro de 2012. Os 138.198 presos por tráfico de drogas no país representam um quarto de todo o contingente carcerário.
Necessário salientar que a grande maioria destes condenados por “tráfico” são na verdade usuários ou que fazem do comércio um meio para manter seu vício. O problema se agrava pelo fato da lei ser genérica, o que fere inclusive o princípio da taxatividade dos tipos penais e, ainda, não diferenciar claramente o traficande do usuário ou de tratar com o mesmo rigor, pena mínima de cinco anos, pessoas que se encontram em escalas e situações distintas. Segundo o juiz de São Paulo Luís Lanfredi, integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e responsável pelo acompanhamento do sistema carcerário, 90% dos presos são pequenos traficantes, sem antecedentes criminais e vínculos com o crime organizado. De acordo com o magistrado, em entrevista ao jornal O Globo em julho do ano passado, de cada dez presos por tráfico, sete ou oito são pequenos traficantes. O número de grandes traficantes presos está abaixo de 10%.
É incontestável que as medidas de caráter repressora adotadas até então pelos Estados Unidos da América e por todos os países subordinados à política americana de combate às drogas não surtiram o efeito desejado. Penas elevadas, prisões de usuários, regime fechado de cumprimento de pena para os condenados por tráfico, fim da liberdade provisória, confisco de bens, ocupação de favelas pela polícia e, até mesmo, pelo exército, e outras tantas providências que levaram em consideração apenas o maior rigor das leis e o caminho muitas vezes cego da repressão, de nada adiantaram.
Como bem salienta Vera Malaguti Batista, “o problema da droga está situado no nível econômico e ideológico. Com a transnacionalização da economia e sua nova divisão do trabalho, materializam-se novas formas de controle nacional e internacional. Foi criado todo um sistema jurídico-penal com a finalidade de criminalizar e penalizar determinadas drogas. O sistema neoliberal produz uma visão esquizofrênica das drogas, especialmente a cocaína: por um lado, estimula a produção, comercialização e circulação da droga, que tem alta rentabilidade no mercado internacional, e por outro lado constrói um arsenal jurídico e ideológico de demonização e criminalização desta mercadoria tão cara à nova ordem econômica.” (Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia: Freitas Bastos, 1998).
Para o enfrentamento do problema relacionado às drogas, é preciso despir-se de qualquer moralismo e preconceito, é necessário coragem para admitir que longe de ser uma questão criminal — até porque ninguém pode ser punido por uma conduta que não exceda ou ultrapasse o próprio autor e que não afete qualquer bem jurídico (princípio da lesividade) — o consumo de drogas é uma questão de saúde pública.
Não é despiciendo lembrar o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1976), que afirmou: “Tivessem as drogas sido descriminalizadas 17 anos atrás, o crack nunca teria sido inventado — ele foi inventado porque o alto custa das drogas ilegais torna lucrativo fornecer uma versão mais barata — e hoje haveria um número bem menor de dependentes...”.
Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e doutor em Ciências Penais.
O nosso vizinho Uruguai, no último mês de dezembro, legalizou a produção, distribuição e venda da maconha sob o controle do Estado. Todos os uruguaios ou residentes no país, maiores de 18 anos, que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha poderão comprar a erva em farmácias autorizadas.
Em Portugal, desde 1º de Julho de 2001 (Lei 30/2000, de 29 de Novembro), a aquisição, posse e consumo de qualquer droga não mais caracterizam crime constituindo apenas violações na esfera administativa, onde não há prisão. Desde então, o uso de droga em Portugal está entre os mais baixos da Europa, sobretudo quando comparado com estados com regimes de criminalização mais rigorosos. O consumo diminuiu entre os mais jovens e reduziram-se a mortalidade (de 400 para 290, entre 1999 e 2006) e as doenças associadas à droga.
Enquanto isto, no Brasil o número de presos condenados por tráfico vem aumentando desproporcionalmente. O número de presos condenados por tráfico de drogas cresceu 30% nos últimos dois anos, passando de 106.491 em 2010 para 138.198 em 2012. No mesmo período, o número de presos em geral aumentou apenas 10%, passando de 496.251 para 548.003, segundo o último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, concluído em dezembro de 2012. Os 138.198 presos por tráfico de drogas no país representam um quarto de todo o contingente carcerário.
Necessário salientar que a grande maioria destes condenados por “tráfico” são na verdade usuários ou que fazem do comércio um meio para manter seu vício. O problema se agrava pelo fato da lei ser genérica, o que fere inclusive o princípio da taxatividade dos tipos penais e, ainda, não diferenciar claramente o traficande do usuário ou de tratar com o mesmo rigor, pena mínima de cinco anos, pessoas que se encontram em escalas e situações distintas. Segundo o juiz de São Paulo Luís Lanfredi, integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e responsável pelo acompanhamento do sistema carcerário, 90% dos presos são pequenos traficantes, sem antecedentes criminais e vínculos com o crime organizado. De acordo com o magistrado, em entrevista ao jornal O Globo em julho do ano passado, de cada dez presos por tráfico, sete ou oito são pequenos traficantes. O número de grandes traficantes presos está abaixo de 10%.
É incontestável que as medidas de caráter repressora adotadas até então pelos Estados Unidos da América e por todos os países subordinados à política americana de combate às drogas não surtiram o efeito desejado. Penas elevadas, prisões de usuários, regime fechado de cumprimento de pena para os condenados por tráfico, fim da liberdade provisória, confisco de bens, ocupação de favelas pela polícia e, até mesmo, pelo exército, e outras tantas providências que levaram em consideração apenas o maior rigor das leis e o caminho muitas vezes cego da repressão, de nada adiantaram.
Como bem salienta Vera Malaguti Batista, “o problema da droga está situado no nível econômico e ideológico. Com a transnacionalização da economia e sua nova divisão do trabalho, materializam-se novas formas de controle nacional e internacional. Foi criado todo um sistema jurídico-penal com a finalidade de criminalizar e penalizar determinadas drogas. O sistema neoliberal produz uma visão esquizofrênica das drogas, especialmente a cocaína: por um lado, estimula a produção, comercialização e circulação da droga, que tem alta rentabilidade no mercado internacional, e por outro lado constrói um arsenal jurídico e ideológico de demonização e criminalização desta mercadoria tão cara à nova ordem econômica.” (Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia: Freitas Bastos, 1998).
Para o enfrentamento do problema relacionado às drogas, é preciso despir-se de qualquer moralismo e preconceito, é necessário coragem para admitir que longe de ser uma questão criminal — até porque ninguém pode ser punido por uma conduta que não exceda ou ultrapasse o próprio autor e que não afete qualquer bem jurídico (princípio da lesividade) — o consumo de drogas é uma questão de saúde pública.
Não é despiciendo lembrar o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1976), que afirmou: “Tivessem as drogas sido descriminalizadas 17 anos atrás, o crack nunca teria sido inventado — ele foi inventado porque o alto custa das drogas ilegais torna lucrativo fornecer uma versão mais barata — e hoje haveria um número bem menor de dependentes...”.
Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e doutor em Ciências Penais.