Com sucateamento da segurança, morador faz ‘vaquinha’ para polícia.
Tímido, o dono de uma loja de enxoval em Mandaguari, no noroeste do Paraná, doou R$ 50, sua única ajuda possível, na vaquinha dos moradores da cidade para comprar armas e munições para a Polícia Militar local.
Na baiana Vitória da Conquista, churrascos, bingos e doações funcionam para adquirir carros de patrulha e pagar a manutenção de veículos policiais. E, em Mato Grosso do Sul, delegacias no interior ganham dos moradores pacotes de papel e cartucho.
Os casos não são isolados. A crise financeira, que resulta em repasses menores dos governos estaduais, e o medo de roubos levam moradores de diversas cidades do país a promoverem vaquinhas para a compra de armas, munições, móveis e carros para a PM – e até a reforma de postos policiais e a manutenção dos veículos.
No Paraná, houve arrecadação popular em ao menos quatro municípios pelos Consegs (conselhos formados por moradores e polícias). Em Mandaguari, o órgão pagou R$ 8.000 em munições, e uma agência bancária e uma empresa custearam dois fuzis – aproximadamente R$ 7.800 cada um.
Em quatro anos, foram cerca de R$ 400 mil arrecadados por moradores para reformar um posto da PM e a delegacia, consertar veículos, instalar ar-condicionado nas unidades e comprar câmeras de vigilância, TVs, impressoras, computadores e móveis.
Em dois anos, a polícia de Vitória da Conquista ganhou da população seis carros, cinco deles 0km. A vaquinha organizada pelo Conseg também viabilizou a reforma de uma policial. Em cidades do interior, a dependência de moradores e dos próprios servidores é ainda maior, como na Bahia e em Mato Grosso do Sul.
Do Próprio Bolso
No interior baiano, pelo relato do Sindpoc, entidade que representa os policiais civis, há policiais que pagam do próprio bolso combustível de carros, água da delegacia e até remédio para presos. Esse tipo de ajuda ocorre também em Mato Grosso do Sul.
“Onde não essa ajuda dos conselhos de segurança fica-se sem conserto de viatura ou combustível para os carros”, disse Giancarlo Miranda, do Sinpol de Mato Grosso do Sul. Moradores ajudam ainda com materiais de escritório para delegacias, e há relatos de policiais civis que, cansados de esperar reposição, compraram munição com o próprio dinheiro.
Em Brasília, uma conta foi aberta pela Associação Comunitária do Park Way para arrecadar R$ 4.600 e bancar a reforma de um posto policial entregue em dezembro – a mão de obrar foi fornecida pelo governo.
A ajuda às polícias pode funcionar como um meio de cobrar mais policiamento. “Toda vez que fazemos uma entrega (de doação) para a polícia, cobramos também a nossa contrapartida para ela”, diz o presidente do Conseg de Vitória da Conquista, Célio Barbosa.
É justamente o “toma lá, dá cá” um dos efeitos negativos desse subsídio da sociedade à força policial, na opinião do sociólogo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Se de um lado faz com que a população se sinta engajada para resolver problemas, diz Lima, por outro, pode trazer empecilhos no direcionamento do policiamento e na autonomia de trabalho. “Eu te dou a viatura, mas você vai passar aqui na minha loja todo dia. O limite entre o público e o privado fica mais obscurecido”, diz Lima.
GOVERNOS
O governo da Bahia afirmou, por meio de sua assessoria, que a Polícia Militar analisa como salutar o envolvimento da sociedade na segurança pública e que não vê problemas nas doações. Alguns dos veículos que receberam ajuda vêm de ações civis e penais encaminhadas pela Justiça – o governo não detalhou os casos de doações de veículos de Conquista com verba de morador.
Este ano, o governo da Bahia prevê oferecer 1.400 carros alugados para a PM – manutenção fica a cargo do contrato com a locatária. A Bahia investiu R$ 4,19 bilhões em segurança pública, incluindo salários. Há 40 mil policiais no Estado.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Paraná afirmou que vê como positivo o envolvimento da sociedade na área. Em relação aos armamentos pesadelos doados, o governo diz que eles “só são repassados a policiais que já tenham tido treinamento específico”. O governo afirmou que está em curso a compra de mil novas armas, no valor de R$ 4 milhões – incluindo metralhadoras e fuzis.
Em relação à manutenção de carros policiais, a pasta diz que é de sua competência, que faz reparos regularmente, e que as ações da comunidade citada “são pontuais”. O governo de Mato Grosso do Sul não se manifestou.
Fonte:Folha de São Paulo