Caos penal decorre de trabalhos isolados sem visão sistêmica
A anomia é conceituada como a perda de identidade e falta de objetivos, ou seja, caos. Isso é a situação criminal no Brasil. Anteriormente havia um sistema de Justiça criminal, simplório, mas existia. Contudo, atualmente, há divisões kafkanianas e ninguém é responsável pelo problema, no entanto todo mundo quer prender, pois isso é poder. Na prática, a maioria esmagadora dos presidiários foi presa por flagrantes da PM, enquanto há aproximadamente 400 mil mandados judiciais de prisão não cumpridos (muitos nem cadastrados no BNMP ainda, mas constam no Infoseg).
Logo, se os mandados de prisão judicial não são cumpridos, mas apenas as prisões em flagrante pela PM são priorizadas, então temos um Estado Policial e não um Estado Democrático de Direito, o que é agravado pelo mito da obrigatoriedade da Ação Penal. Portanto apenas o que a polícia quis identificar a autoria ou prender em flagrante é que será processado, ao menos com prioridade. E como se prende, em regra, apenas por crimes menos inteligentes como furtos, roubos e pequenos traficantes, estes terão o processo acelerado, pois estão presos e consequentemente a condenação também será agilizada.
Nos últimos dez anos a quantidade de presos aumentou em 80% passando de 300 mil presos para 500 mil presos. Não se admite discutir a questão da estatização da assistência jurídica e sua influência na agilização dos processos, logo diminui-se a soltura por excesso de prazo. Mas precisamos a figura em o Estado Acusa e o Estado defende, a qual deveria ser a exceção, mas está se tornando a regra. Ora, se a maioria das prisões no Brasil é por flagrante da PM e os mandados judiciais não são cumpridos, então estamos diante de um Estado Policial e não um Estado Democrático de Direito. Há um certo fetiche com a prisão em flagrante, e a homologação judicial, inovação recente, não mudou muita coisa.
A Polícia Militar, com um efetivo enorme, uma grande estrutura de comunicação social, e até mesmo soldados com acesso à imprensa, acaba definindo a pauta do que será julgado e pequenos delitos são transformados em “mais graves”, enquanto crimes de natureza de lavagem de dinheiro, econômicos, tributários ficam à margem na cifra negra, pois a quantidade de delitos de bagatela encaminhados pela PM às Delegacias e consequentemente ao Judiciário são enormes e até mesmo impedem a investigação de outros crimes mais graves.
É preciso discutir o mito da obrigatoriedade da ação penal, pois nem todo delito é apurado (conhecido na criminologia como cifra negra) e instalar GPS e câmeras em todas as viaturas policiais (e futuramente em todos os uniformes), bem como gravar todas as chamadas do 190, pois isso evitaria abusos.
Outro aspecto importante é que anteriormente o Delegado cuidava da “cadeia”, conversava com o promotor e com o juiz, os quais também tinham uma parceria na gestão da cadeia, logo havia uma espécie implícita de seleção de prioridades, o que acaba sendo um gerenciamento. Hoje, tem um promotor que fica apenas na investigação, outro apenas no inquérito, outro apenas no processo, outro apenas na Execução. O presídio é gerenciado pelos agentes penitenciários que pertencem ao Executivo, não têm um papel bem definido na legislação e não podem questionar as prisões da polícia, a qual não tem que se preocupar com as suas prisões (onde o preso ficará preso), pois o seu papel é apenas prender.
O promotor na investigação ou na instrução processual não se preocupa com a situação prisional, logo pode lotar o presídio com perigosos “ladrões que furtam chocolate em supermercados”. Em suma, a área criminal virou “casa da mãe Joana”, ninguém é responsável por nada, e isso fica claro na questão do presídio de Pedrinhas, no Maranhão. Ninguém é culpado, ninguém sabia de nada, mas continuava prendendo e geralmente por crimes de atavismo (cometidos sem inteligência).
O caos penal no Brasil decorre de uma torre de babel e de trabalhos isolados sem uma visão sistêmica. Ora, 80% dos presos respondem por furtos e roubos de objetos de menos de um salário mínimo e tráfico de drogas com menos de 20 gramas, logo é preciso focar apenas nestes três delitos para se reformar a questão prisional (e não a questão criminal em si). Mas nada se faz, embora a legislação penal seja atribuição da área federal, esta lava as mãos e deixa a responsabilidade cair nos estados. Temos que discutir estes três delitos em nível de legislação, pois a redação precisa ser melhorada e isso já foi mostrado para o governo federal.
Não faz sentido rigor no processo penal e flexibilização na execução penal, tem até categorias usando este excesso de presos como justificativa para aumentar os seus salários e a quantidade de pessoal, em vez de tentarem evitar o problema. A rigor, precisamos abandonar o processo penal inquisitivo e adotar o processo penal acusatório, o que é dificultado por alguns setores, pois é uma mudança de cadeiras. Lado outro, é fato que hoje a população e ONGs ajudam a comprar viaturas e equipamentos para as polícias prenderem, mas nada fazer para ajudar a situação de melhoria dos presídios. Afinal, se preso, o problema fica escondido. Logo, a solução é impedir que haja mais presos que o número de vagas, e assim, todo mundo vai se mobilizar para criar mais vagas, melhorar a situação dos presídios e focar também na fase de execução penal.
Portanto, as soluções são:
1) Criação da figura de uma autoridade central para se discutir o problema criminal em nível local e integrando todos os atores do sistema de Justiça Criminal desde a investigação até a execução penal, assim busca que a política criminal seja tema de Estado e não de governo com metas midiáticas.
2) Focar o legislador federal na redação dos crimes de roubo, furto e tráfico de drogas, ambos na figura privilegiada (menor periculosidade objetiva)
3) Permitir ao MP ampliar as possibilidades de acordos criminais sem pena de prisão no início do processo, evitando o que ocorre atualmente em que o processo tramita para ao final o juiz condenar em pena alternativa (paradoxo).
4) Autorizar o MP a colocar em liberdade quando o flagrante da PM for ilegal ou abusivo, e constar na lei que a prioridade para julgamento é para crime grave, pois atualmente agilizam os julgamento apenas de furtos e tráfico por prisão em flagrante.
5) Melhorar a redação do artigo 41 no CPP para exigir indícios suficientes e razoáveis na denúncia, como fez recentemente Portugal evitando denúncias com base em mera suspeita.
6) E a por fim, se o presídio tem apenas 100 vagas, serão apenas 100 presos, isso faz todo mundo se preocupar com o presídio e suas condições, pois o preso ficará solto até surgir vaga como ocorre em outros países.
André Luis Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público pela Unifran e doutorando pela PUC-SP
Logo, se os mandados de prisão judicial não são cumpridos, mas apenas as prisões em flagrante pela PM são priorizadas, então temos um Estado Policial e não um Estado Democrático de Direito, o que é agravado pelo mito da obrigatoriedade da Ação Penal. Portanto apenas o que a polícia quis identificar a autoria ou prender em flagrante é que será processado, ao menos com prioridade. E como se prende, em regra, apenas por crimes menos inteligentes como furtos, roubos e pequenos traficantes, estes terão o processo acelerado, pois estão presos e consequentemente a condenação também será agilizada.
Nos últimos dez anos a quantidade de presos aumentou em 80% passando de 300 mil presos para 500 mil presos. Não se admite discutir a questão da estatização da assistência jurídica e sua influência na agilização dos processos, logo diminui-se a soltura por excesso de prazo. Mas precisamos a figura em o Estado Acusa e o Estado defende, a qual deveria ser a exceção, mas está se tornando a regra. Ora, se a maioria das prisões no Brasil é por flagrante da PM e os mandados judiciais não são cumpridos, então estamos diante de um Estado Policial e não um Estado Democrático de Direito. Há um certo fetiche com a prisão em flagrante, e a homologação judicial, inovação recente, não mudou muita coisa.
A Polícia Militar, com um efetivo enorme, uma grande estrutura de comunicação social, e até mesmo soldados com acesso à imprensa, acaba definindo a pauta do que será julgado e pequenos delitos são transformados em “mais graves”, enquanto crimes de natureza de lavagem de dinheiro, econômicos, tributários ficam à margem na cifra negra, pois a quantidade de delitos de bagatela encaminhados pela PM às Delegacias e consequentemente ao Judiciário são enormes e até mesmo impedem a investigação de outros crimes mais graves.
É preciso discutir o mito da obrigatoriedade da ação penal, pois nem todo delito é apurado (conhecido na criminologia como cifra negra) e instalar GPS e câmeras em todas as viaturas policiais (e futuramente em todos os uniformes), bem como gravar todas as chamadas do 190, pois isso evitaria abusos.
Outro aspecto importante é que anteriormente o Delegado cuidava da “cadeia”, conversava com o promotor e com o juiz, os quais também tinham uma parceria na gestão da cadeia, logo havia uma espécie implícita de seleção de prioridades, o que acaba sendo um gerenciamento. Hoje, tem um promotor que fica apenas na investigação, outro apenas no inquérito, outro apenas no processo, outro apenas na Execução. O presídio é gerenciado pelos agentes penitenciários que pertencem ao Executivo, não têm um papel bem definido na legislação e não podem questionar as prisões da polícia, a qual não tem que se preocupar com as suas prisões (onde o preso ficará preso), pois o seu papel é apenas prender.
O promotor na investigação ou na instrução processual não se preocupa com a situação prisional, logo pode lotar o presídio com perigosos “ladrões que furtam chocolate em supermercados”. Em suma, a área criminal virou “casa da mãe Joana”, ninguém é responsável por nada, e isso fica claro na questão do presídio de Pedrinhas, no Maranhão. Ninguém é culpado, ninguém sabia de nada, mas continuava prendendo e geralmente por crimes de atavismo (cometidos sem inteligência).
O caos penal no Brasil decorre de uma torre de babel e de trabalhos isolados sem uma visão sistêmica. Ora, 80% dos presos respondem por furtos e roubos de objetos de menos de um salário mínimo e tráfico de drogas com menos de 20 gramas, logo é preciso focar apenas nestes três delitos para se reformar a questão prisional (e não a questão criminal em si). Mas nada se faz, embora a legislação penal seja atribuição da área federal, esta lava as mãos e deixa a responsabilidade cair nos estados. Temos que discutir estes três delitos em nível de legislação, pois a redação precisa ser melhorada e isso já foi mostrado para o governo federal.
Não faz sentido rigor no processo penal e flexibilização na execução penal, tem até categorias usando este excesso de presos como justificativa para aumentar os seus salários e a quantidade de pessoal, em vez de tentarem evitar o problema. A rigor, precisamos abandonar o processo penal inquisitivo e adotar o processo penal acusatório, o que é dificultado por alguns setores, pois é uma mudança de cadeiras. Lado outro, é fato que hoje a população e ONGs ajudam a comprar viaturas e equipamentos para as polícias prenderem, mas nada fazer para ajudar a situação de melhoria dos presídios. Afinal, se preso, o problema fica escondido. Logo, a solução é impedir que haja mais presos que o número de vagas, e assim, todo mundo vai se mobilizar para criar mais vagas, melhorar a situação dos presídios e focar também na fase de execução penal.
Portanto, as soluções são:
1) Criação da figura de uma autoridade central para se discutir o problema criminal em nível local e integrando todos os atores do sistema de Justiça Criminal desde a investigação até a execução penal, assim busca que a política criminal seja tema de Estado e não de governo com metas midiáticas.
2) Focar o legislador federal na redação dos crimes de roubo, furto e tráfico de drogas, ambos na figura privilegiada (menor periculosidade objetiva)
3) Permitir ao MP ampliar as possibilidades de acordos criminais sem pena de prisão no início do processo, evitando o que ocorre atualmente em que o processo tramita para ao final o juiz condenar em pena alternativa (paradoxo).
4) Autorizar o MP a colocar em liberdade quando o flagrante da PM for ilegal ou abusivo, e constar na lei que a prioridade para julgamento é para crime grave, pois atualmente agilizam os julgamento apenas de furtos e tráfico por prisão em flagrante.
5) Melhorar a redação do artigo 41 no CPP para exigir indícios suficientes e razoáveis na denúncia, como fez recentemente Portugal evitando denúncias com base em mera suspeita.
6) E a por fim, se o presídio tem apenas 100 vagas, serão apenas 100 presos, isso faz todo mundo se preocupar com o presídio e suas condições, pois o preso ficará solto até surgir vaga como ocorre em outros países.
André Luis Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público pela Unifran e doutorando pela PUC-SP