Aos 32 anos, filho de policial civil relata angústia de 50 dias de internação e sequelas pós-Covid
Em reportagem veiculada pelo site Campo Grande News nesta sexta-feira, 30, o fotógrafo Roberto Kelson, de 32 anos, que é filho do policial civil Roberto Martins, filiado ao Sinpol, relata o sofrimento e angústia de ficar 50 dias internado em decorrência da Covid, passar por duas intubações e um longo processo para recuperação de sequelas.
Após receber alta, de cadeira de rodas, Kelson ficou por 20 dias no hotel de trânsito do Sinpol, em Campo Grande, porque, sem acessibilidade, não haveria como ficar no apartamento, relata o pai. “Esse suporte do Sinpol foi uma grande contribuição, agradeço a Deus por tudo e ao Sinpol pelo apoio”, emociona-se o policial civil José Roberto. Ele conta que, enquanto esteve no hotel do Sinpol, Kelson teve acompanhamento de uma técnica de enfermagem e duas fisioterapeutas contratadas pela família. Quando saiu, já conseguia se locomover com o andador e hoje já pode andar sem o auxílio do equipamento.
Na entrevista ao site, o jovem faz um apelo para que as pessoas sejam conscientes, adotem medidas de prevenção e se vacinem e também sobre a importância de valorizar as coisas simples da vida. “Essa doença quase tirou minha vida e a vida da minha mãe, que também ficou internada no mesmo período que eu”.
Ele relata toda a evolução da doença, desde os sintomas iniciais à lenta recuperação, fase em que ficou na cadeira de rodas e também fala sobre o atendimento humanizado durante o tempo em que ficou no hospital da Cassems.
Confira na íntegra abaixo:
Há um ano, relatos de mudanças após recuperação da covid são frequentes nas redes sociais. Roberto Kelson, de 32 anos, leu muito sobre isso. Mas após 50 dias hospitalizado por conta do coronavírus, o fotógrafo jovem entendeu, mais uma vez, que ninguém precisa de uma tragédia na vida para mudar.
Seu relato da Voz da Experiência de hoje, traz um alerta para quem ainda duvida da doença. Roberto hoje vive uma recuperação delicada após sair do hospital na cadeira de rodas, mas deseja um mundo com menos casos de covid, e que as pessoas aprendam no amor, sem a necessidade de morte para dar o primeiro passo rumo à valorização de simplicidades da vida.
Na última semana de abril minha mãe começou a ter uns sintomas de “resfriado”. Um incômodo na garganta, uma coriza e só. Dias depois, eu comecei a sentir os mesmos sintomas com uma leve indisposição. Durante a semana, eu trabalho como porteiro no Alphaville, e como eu achava que não era nada demais, fui trabalhar normalmente. Lá, meu superior sabendo dos sintomas, pediu para que eu fosse pra casa e fizesse o teste. Isso era em uma segunda feira.
Saí de lá, passei em casa e fui ao hospital, onde consegui marcar o exame para a quarta-feira daquela mesma semana. Eu, até aquele momento, tinha certeza de que se tratava de apenas um resfriado leve, pois quase não tinha sintomas que ligavam ao covid-19. Nem dor de cabeça, nem falta de ar, nem febre. Na terça e na quarta, os sintomas continuaram sendo coriza e uma leve indisposição, porém na quinta, eu perdi o olfato e tive uma noite de febre, dai antes mesmo de sair o resultado do exame eu já tive a quase certeza de estar com covid-19.
Na sexta, após sair o resultado confirmando que eu estava mesmo com covid-19, voltei a realizar alguns exames e pegar receita de alguns medicamentos. Até então, eu estava bem, porém, no “último dia de quarentena”, eu acordei muito cansado. Fui ao banheiro e voltei pro meu quarto extremamente cansado. Nesse momento, resolvemos – eu e minha família – voltar ao hospital. Lá, depois de verificarem minha saturação e fazer uma tomografia, resolveram que eu devia ficar internado, pois a covid-19 já havia tomado meu pulmão. Dia 05 de maio eu dei entrada no hospital da Cassems Campo Grande.
Essa doença veio pra ressignificar nossas vidas, independente da experiência que tenhamos tido com ela. O mundo mudou, porque nós não podemos mudar? Ser ou não seres humanos melhores depende exclusivamente de nós. O que você tem hoje e considera normal, pode não ser tão normal assim lá na frente. Essa lição eu tive que aprender de uma maneira não muito agradável, mas quem não passou por nada, pode começar a mudar seu comportamento agora.iquei assustado com toda aquela situação, mas eu estava confiante em Deus de que tudo aquilo passaria e eu saíria bem daquele lugar. Logo depois de saber que ficaria no hospital, fui encaminhado para a enfermaria. Neste hospital, existem 3 estágios de internação: a enfermaria, onde o paciente não exige tantos cuidados, o UCI, com cuidados intermediários e o UTI, com cuidados extremos.
Eu fiquei um dia na enfermaria e logo fui para a UTI. Eu não posso deixar de falar sobre o atendimento humanizado de todos os funcionários de lá. Desde a menina da limpeza, que em vários momentos ao passar pelo meu leito deixava palavras de apoio e esperança, até os médicos. Os técnicos de enfermagem, enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos. Todos que me atenderam lá foram extremamente humanos, no sentido real da palavra. Eu nunca me senti tão bem cuidado em toda minha vida como me senti nos 50 dias de internação.
Eu fui i
ntubado duas vezes e peguei uma bactéria muito severa enquanto estive internado. Enquanto estive intubado, eu fiquei sedado. Quando acordei da segunda intubação, estava no UTI 3, e dai em diante, comecei a contar os dias – já havia passado uns 20 e poucos dias desde que havia entrado no hospital.
Nesse lugar, eu vi muita gente sair morta, infelizmente. Por ser muito ansioso, eu tinha uma dificuldade de dormir e, por isso, eu assistia a rotina daquele lugar. As trocas de plantões, a correria dos profissionais para salvar as vidas, etc. Eu, de forma geral, estava bem. Soube que os antibióticos estavam fazendo efeito contra a bactéria que havia adquirido e a única coisa que me incomodava era ter que limpar as secreções que acumulavam na tráqueo.
Como eu sou um pouco falante, fiz muitas amizades durante esse tempo. E isso fez com que os dias não fossem tão demorados. Sempre tinha alguém passando e trocando algumas palavras comigo, fora os momentos das rotinas diárias de banho de leito, conversa com a psicóloga – quando eu podia. Por mais que às vezes eu me sentisse sozinho, sempre entendi aquele momento como um processo.
Depois que eu tive a certeza de que sairia vivo daquele lugar, pois Deus havia me revelado, eu fiquei muito mais calmo em relação aos dias ali.
Sequelas – Eu tive uma neuropatia do doente crítico, como eles chamam. De forma bem resumida, é uma fraqueza muscular em partes específicas do corpo extremamente aguda causada pelos vários dias intubado. Essa neuropatia atingiu o lado esquerdo do meu corpo de forma mais “forte”. Eu deixei o hospital sem nenhum movimento no meu pé esquerdo. Meu lado direito foi atingido apenas na parte inferior do corpo. Meu braço direito foi o único membro que não foi atingido.
Eu perdi 35 kg em 50 dias. Não tinha forças pra levantar o braço esquerdo e também não tinha forças pra me manter sentado por mais de 10 minutos. Um dia após sair, já iniciei a
fisioterapia e hoje, pouco mais de 40 dias após minha alta, estou andando sem ajuda do andador.
O que mudou – 50 dias deitado em um leito hospitalar, longe da sua família, dos amigos e do trabalho, fazem uma bagunça imensa dentro da sua cabeça. É impossível alguém passar por tudo isso sem que ocorra uma mudança interna. Nesses 50 dias, eu vi o cuidado de Deus em todos os mínimos instantes. Desde que entendi que estar vivo era um milagre, que Deus havia me dado uma nova chance, meu eu se transformou. Eu, particularmente, não acharia necessária uma pessoa passar pelo que passei pra valorizar as coisas mínimas da vida, mas se eu tive que passar sobrevivendo, que eu fosse à mudança necessária. Então, comecei a refletir sobre meu estado até aquele momento, onde eu não tinha força nem pra movimentar um dedo do pé. Posso afirmar que minha vida tem um antes e depois agora. Valorizar as pequenas coisas, principalmente. Creio agora que essas mínimas coisas são na verdade milagres. É um milagre poder movimentar meu pé, poder levar uma xícara de café até a boca. Eu nunca mais vou achar normal qualquer movimento que eu fizer, pois eu, em algum momento, não tinha capacidade de fazer.
Roberto é fotógrafo e por alguns dias permaneceu na cadeira de rodas.
Realmente, não acho necessário que pessoas passem por isso para depois valorizar as coisas ditas “mínimas ou normais”, por isso, eu deixo essa mensagem de que todos os dias vivemos vários milagres no nosso dia-a-dia. Valorize desde um levantar, um escovar de dentes, um sorriso, um abraço, uma ida ao banheiro, um aperto de mãos, um olhar, pois essas mesmas coisas um dia podem não ser tão normais.
O covid-19 veio pra matar. Eu não consigo olhar de outra maneira. Eu tive mais uma chance. Claro, não posso deixar de creditar os profissionais, mas como eu ouvi de vários deles, o fato de eu ter sobrevivido é um milagre. Acreditar ou não nesse milagre é direito de cada um.
Eu devo ter pegado essa doença trabalhando, pois eu não ficava aglomerando. Ter visto várias pessoas morrerem no UTI e o semblante dos profissionais após essas mortes e, ao mesmo tempo, na TV, ver que têm milhares de pessoas levando essa doença como se ela não existisse, doem.
É uma dor revoltante, porém, eu não posso fazer muita coisa. Passei pelo que passei, não quero que ninguém tenha essa experiência para entender a seriedade da situação e o quanto essa doença é devastadora. Se cuidem, cuidem dos seus, usem máscara, não aglomerem e se vacinem. Essa doença quase tirou minha vida e a vida da minha mãe, que também ficou internada no mesmo período que eu.
Ter 32 anos e me deparar com a morte foi muito marcante, apesar de estar tranquilo. Claro que eu não queria morrer, porém, Deus aquietou tanto meu coração, que mesmo nesses momentos mais tensos, eu estava em paz.
Valorizar a vida, as pessoas, as coisas ditas simples, ser um humano melhor é mínimo o que eu quero ser.