'A urna eletrônica brasileira é a mais ultrapassada do mundo', diz especialista que violou o sistema
Líder da equipe que conseguiu derrotar o sistema de embaralhamento dos votos da urna eletrônica brasileira, o professor Diego Aranha, da Universidade de Brasília (UnB), demonstra preocupação não apenas com o sigilo do voto, mas também com a impossibilidade de o eleitor ter a comprovação física de sua escolha.
Sob a perspectiva do eleitor, a urna eletrônica brasileira seria, segundo o professor, "a mais defasada do mundo" por resistir ao movimento de outros países em direção à impressão do voto. Em outubro de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a vigência do artigo 5º da Lei 12.034/09, que cria o voto impresso a partir das eleições de 2014.
De acordo com o projeto, a urna deveria imprimir um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital, e esse material seria depositado automaticamente em local lacrado, sem contato manual do eleitor, o que representaria a salvaguarda para o sigilo da votação. No entendimento unânime dos ministros, entretanto, o dispositivo compromete o sigilo e a inviolabilidade do voto previstos na Constituição.
"Não é possível realizar votação puramente eletrônica com verificação independente dos resultados. Por esse motivo, a maioria das alternativas para se permitir essa verificação envolvem materializar o voto em algum veículo que permita apuração posterior sem permitir simultaneamente que o eleitor possa comprovar sua escolha para uma terceira parte interessada.
Um exemplo recente é a urna argentina, que produz como cédula um acoplamento das versões digital e impressa do voto. A versão digital é utilizada para apuração rápida, e a versão impressa, para se verificar a integridade dos votos computados eletronicamente", comenta Diego Aranha, citando a Bélgica como outro exemplo a ser seguido.
Sem a materialização do voto, a apuração das eleições ficaria refém do programa que computa as escolhas dos eleitores em ambiente digital. "Como a integridade dos resultados depende unicamente da integridade desse software, fica montado um cenário perfeito para fraudes que não deixam vestígios", alerta Diego, ao comentar as consequências da brecha que sua equipe encontrou para desembaralhar o Registro Digital do Voto (RDV).
Essa desinformação técnica encontraria representação no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que acorreu à metáfora de que "acoplar uma impressora eletromecânica às urnas eletrônicas equivaleria, a meu ver, a dotar um avião a jato de uma bússola a vapor". PhD em Ciência da Computação, Diego Aranha tacha a analogia de "extremamente infeliz".
"A urna brasileira não se assemelha em nada a um avião a jato do ponto de vista tecnológico. (...) Sob a perspectiva do eleitor, parte mais interessada no processo democrático de votação, é também a urna mais defasada do mundo por não permitir qualquer verificação independente dos resultados", diz, invertendo o argumento de Lewandowski: "Não faço ideia do que seja uma bússola 'a vapor', mas todo avião moderno possui bússola analógica convencional como componente do conjunto básico de instrumentos de voo.
A razão para tal é sempre ter em mãos um dispositivo redundante que funcione em caso de pane de todos os outros instrumentos e que permita a verificação independente do funcionamento correto dos dispositivos de navegação mais sofisticados. Não consigo entender o porquê desse mesmo princípio não poder ser aplicado à segurança do voto eletrônico, visto que é tão difundido nas práticas seguras de engenharia." Com o abandono da Índia a urna similar à brasileira, depois de especialistas provarem que o sistema estava sujeito a fraudes, o Brasil restou como o único país a insistir em equipamento de "primeira geração", o que Diego lamenta ser fomentado por "argumentos de autoridade sem nenhuma acurácia técnica".
Em resposta ao Terra, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou entender que "as medidas atuais são simples e suficientes para a garantia da confiabilidade pelas partes interessadas. Ou seja, a verificação da integridade da totalização das eleições é feita pelos fiscais de partido, que podem comparar as cópias impressas dos Boletins de Urna de cada seção eleitoral com o resultado recebido, totalizado e publicado pela Justiça Eleitoral (disponível na internet).
Assim, a simples comparação do resultado recebido pelo fiscal e o processado na Justiça Eleitoral é suficiente para qualquer interessado criar sua própria totalização e verificar individualmente o resultado de cada urna eletrônica". O TSE também rejeita a avaliação das urnas conforme a ideia de "geração", que teria "origens comerciais nas empresas que vendem ao Peru e à Argentina suas urnas e não tem nenhum fundamento mais profundo".
Para Diego Aranha, o conceito apenas serve de tradução para o processo de migração de urnas que não permitem a verificação do voto pelo eleitor para aquelas hoje adotadas em países como Bélgica e Venezuela, que seriam de "segunda geração". "De fato, ao se acompanhar a cronologia dos sistemas de votação eletrônica em utilização no mundo, é possível observar uma evolução clara nessa direção. A noção de geração também não é utilizada para se descrever nenhum modelo específico fabricado por alguma empresa ou adotado em algum país, apenas para se sintetizar as propriedades de segurança fornecidas por aquelas famílias de modelos.
Assim, não há nenhum apelo comercial, mas apenas a captura simples de uma tendência mundial em votação eletrônica", explica o professor, que vê a urna argentina à frente das demais por acoplar em mesma cédula as versões impressa e digital do voto, permitindo comparação direta entre os resultados registrados pelas duas formas. Apesar das críticas ao modelo de votação em vigor, Diego vê bons agouros na ampliação de espaços para o debate sobre o tema.
"Espero que a tendência recente à à transparência tão alardeada pelo TSE de fato se confirme na prática e que o debate público em torno da questão do voto eletrônico seja mais difundido, e não suprimido, como vem acontecendo. Muitos especialistas no País desejam enormemente contribuir para que o nosso sistema de votação atinja requisitos mínimos e plausíveis de segurança, mas não encontram nenhuma forma efetiva de fazê-lo."
Presente a audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, o engenheiro Amílcar Brunazo Filho engrossou o coro de Diego Aranha pela impressão, chamando o sistema em vigor de "curral eleitoral" em que "nenhum brasileiro pode ver o que foi gravado como registro do seu voto".
Recorrente crítico do sistema eleitoral brasileiro, Brunazo considera que o TSE concentra funções administrativas, normativas e judiciais, em fuga à separação de poderes recomendada por Charles de Montesquieu e consagrada pelo governo republicano.
Sob a perspectiva do eleitor, a urna eletrônica brasileira seria, segundo o professor, "a mais defasada do mundo" por resistir ao movimento de outros países em direção à impressão do voto. Em outubro de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a vigência do artigo 5º da Lei 12.034/09, que cria o voto impresso a partir das eleições de 2014.
De acordo com o projeto, a urna deveria imprimir um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital, e esse material seria depositado automaticamente em local lacrado, sem contato manual do eleitor, o que representaria a salvaguarda para o sigilo da votação. No entendimento unânime dos ministros, entretanto, o dispositivo compromete o sigilo e a inviolabilidade do voto previstos na Constituição.
"Não é possível realizar votação puramente eletrônica com verificação independente dos resultados. Por esse motivo, a maioria das alternativas para se permitir essa verificação envolvem materializar o voto em algum veículo que permita apuração posterior sem permitir simultaneamente que o eleitor possa comprovar sua escolha para uma terceira parte interessada.
Um exemplo recente é a urna argentina, que produz como cédula um acoplamento das versões digital e impressa do voto. A versão digital é utilizada para apuração rápida, e a versão impressa, para se verificar a integridade dos votos computados eletronicamente", comenta Diego Aranha, citando a Bélgica como outro exemplo a ser seguido.
Sem a materialização do voto, a apuração das eleições ficaria refém do programa que computa as escolhas dos eleitores em ambiente digital. "Como a integridade dos resultados depende unicamente da integridade desse software, fica montado um cenário perfeito para fraudes que não deixam vestígios", alerta Diego, ao comentar as consequências da brecha que sua equipe encontrou para desembaralhar o Registro Digital do Voto (RDV).
Essa desinformação técnica encontraria representação no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que acorreu à metáfora de que "acoplar uma impressora eletromecânica às urnas eletrônicas equivaleria, a meu ver, a dotar um avião a jato de uma bússola a vapor". PhD em Ciência da Computação, Diego Aranha tacha a analogia de "extremamente infeliz".
"A urna brasileira não se assemelha em nada a um avião a jato do ponto de vista tecnológico. (...) Sob a perspectiva do eleitor, parte mais interessada no processo democrático de votação, é também a urna mais defasada do mundo por não permitir qualquer verificação independente dos resultados", diz, invertendo o argumento de Lewandowski: "Não faço ideia do que seja uma bússola 'a vapor', mas todo avião moderno possui bússola analógica convencional como componente do conjunto básico de instrumentos de voo.
A razão para tal é sempre ter em mãos um dispositivo redundante que funcione em caso de pane de todos os outros instrumentos e que permita a verificação independente do funcionamento correto dos dispositivos de navegação mais sofisticados. Não consigo entender o porquê desse mesmo princípio não poder ser aplicado à segurança do voto eletrônico, visto que é tão difundido nas práticas seguras de engenharia." Com o abandono da Índia a urna similar à brasileira, depois de especialistas provarem que o sistema estava sujeito a fraudes, o Brasil restou como o único país a insistir em equipamento de "primeira geração", o que Diego lamenta ser fomentado por "argumentos de autoridade sem nenhuma acurácia técnica".
Em resposta ao Terra, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou entender que "as medidas atuais são simples e suficientes para a garantia da confiabilidade pelas partes interessadas. Ou seja, a verificação da integridade da totalização das eleições é feita pelos fiscais de partido, que podem comparar as cópias impressas dos Boletins de Urna de cada seção eleitoral com o resultado recebido, totalizado e publicado pela Justiça Eleitoral (disponível na internet).
Assim, a simples comparação do resultado recebido pelo fiscal e o processado na Justiça Eleitoral é suficiente para qualquer interessado criar sua própria totalização e verificar individualmente o resultado de cada urna eletrônica". O TSE também rejeita a avaliação das urnas conforme a ideia de "geração", que teria "origens comerciais nas empresas que vendem ao Peru e à Argentina suas urnas e não tem nenhum fundamento mais profundo".
Para Diego Aranha, o conceito apenas serve de tradução para o processo de migração de urnas que não permitem a verificação do voto pelo eleitor para aquelas hoje adotadas em países como Bélgica e Venezuela, que seriam de "segunda geração". "De fato, ao se acompanhar a cronologia dos sistemas de votação eletrônica em utilização no mundo, é possível observar uma evolução clara nessa direção. A noção de geração também não é utilizada para se descrever nenhum modelo específico fabricado por alguma empresa ou adotado em algum país, apenas para se sintetizar as propriedades de segurança fornecidas por aquelas famílias de modelos.
Assim, não há nenhum apelo comercial, mas apenas a captura simples de uma tendência mundial em votação eletrônica", explica o professor, que vê a urna argentina à frente das demais por acoplar em mesma cédula as versões impressa e digital do voto, permitindo comparação direta entre os resultados registrados pelas duas formas. Apesar das críticas ao modelo de votação em vigor, Diego vê bons agouros na ampliação de espaços para o debate sobre o tema.
"Espero que a tendência recente à à transparência tão alardeada pelo TSE de fato se confirme na prática e que o debate público em torno da questão do voto eletrônico seja mais difundido, e não suprimido, como vem acontecendo. Muitos especialistas no País desejam enormemente contribuir para que o nosso sistema de votação atinja requisitos mínimos e plausíveis de segurança, mas não encontram nenhuma forma efetiva de fazê-lo."
Presente a audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, o engenheiro Amílcar Brunazo Filho engrossou o coro de Diego Aranha pela impressão, chamando o sistema em vigor de "curral eleitoral" em que "nenhum brasileiro pode ver o que foi gravado como registro do seu voto".
Recorrente crítico do sistema eleitoral brasileiro, Brunazo considera que o TSE concentra funções administrativas, normativas e judiciais, em fuga à separação de poderes recomendada por Charles de Montesquieu e consagrada pelo governo republicano.