Artigos

A pixação, segundo a Lei Penal

Reprodução

 “O que antes sussurrava-se, hoje, discute-se nos canais televisivos, o que antes retratava um meio de protesto, hoje, implica em crime, o que antes era rechaçado pela doutrina, hoje, ocupa a pauta do judiciário. Tão difundida nos grandes centros urbanos a pichação atualmente é alvo de repúdio e motivação para severas punições.


Mas nem sempre foi assim, por mais inacreditável que possa parecer, na antiguidade já haviam resquícios de pichação. Com a erupção do vulcão Vesúviu, foi possível encontrar nos muros da cidade de Pompéia, xingamentos, poesias e propaganda política. Na idade média os padres escreviam em muros de conventos rivais para expor suas ideologias.

 
Após a segunda guerra mundial surgiu o spray, utilizado em 1969 pelos estudantes franceses contra as instituições universitárias e em favor da liberdade de expressão. No mesmo período, os muros de Nova York foram alvo da cultura hip-hop, onde os grafites aproximavam os pichadores do movimento.
No Brasil a pichação serviu de microfone, onde aquelas pessoas que não aceitavam o regime ditatorial escreviam nas paredes palavras e frases de protesto. Durante o período militar, tal ato fortalecia a concepção de patriotismo.

 
O tempo passou, e com ele a idéia engrandecedora de escrever em paredes. Parece claro que a pichação é uma questão cultural e que ainda retrata uma forma de protesto, porém, não é mais uma manifestação aceita por quem não a pratica. Seja por entender ser mero ato de vandalismo, sem qualquer sentido ou função, senão danificar o patrimônio particular ou coletivo; seja por acreditar que a prática da pichação apenas intensifica a poluição visual, tornando desagradável o espaço comum; seja por ter como objetivo exclusivo a rivalidade entre grupos distintos, acirrando uma competição de quem picha mais.

 
Cada cidadão tem um motivo específico que o faz reprimir a pichação e foi pensando em algumas dessas variáveis que o legislador tipificou tal conduta como crime. Apesar de ser considerado crime pelo o ordenamento jurídico brasileiro, há estudos demonstrando que pichação configura uma manifestação cultural.

 
Embora o preceito secundário do tipo estabeleça uma pena privativa de liberdade, dificilmente esta será aplicada, pois diante da duração da reprimenda, três meses a um ano, e multa, o agente pode aceitar a transação penal. Este instituto é uma espécie de acordo que o sujeito celebra com o Estado, ou seja, o representante do Ministério Público não oferta a denúncia, mas em contrapartida o sujeito submete-se à realização de serviços sociais ou prestações pecuniárias.

 
Insatisfeito com esta realidade e obstinados a conduzir e manter os pichadores no cárcere, as denúncias ofertadas passaram a narrar não só crime contra o meio ambiente descrito no art. 65 da Lei 9.605/98, mas também o crime de quadrilha, previsto no art. 288 do Código Penal, quando a pichação é praticada por quatro ou mais pessoas, ou apenas por uma pessoa integrante de um grupo.

 
O raciocínio é basicamente este: Não fica preso por crime ambiental? Então fica por crime contra a paz pública.

 
Trata-se, com todo respeito, de uma excrescência jurídica, do famoso jeitinho brasileiro aplicado ao mundo jurídico, onde se interpreta a norma de forma contrária à sua determinação simplesmente para alcançar resultados práticos ditos de interesse público.

 
A Lei 9.605/98 tipificou como crime a conduta de pichar edifício ou monumento urbano, mas previu para esse comportamento uma pena de três meses a um ano, e multa. Em 1995, a Lei 9.099 determinou que os crimes com penas iguais ou inferiores a dois anos, são suscetíveis de transação penal.

 
Essa determinação tem a intenção de aplicar uma pena ao agente diferente da privativa de liberdade, haja vista o menor grau ofensivo da infração praticada. Deste modo, a lei estipula uma punição aos pichadores, mas não a mesma destinada aos estupradores, latrocidas, homicidas, torturadores, traficantes, ladrões, entre outros.

 
Por sua vez, o art 288 do Código Penal além de estabelecer a quantidade da reprimenda, também conceitua o que vem a ser quadrilha.
 
 
Art. 288 – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena – reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único – A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.
 
 
O crime de quadrilha, como muitos entendem ser, não se constitui com a mera realização de um crime por mais de três pessoas, é necessário que haja a prática de dois ou mais crimes indeterminados, por mais de três pessoas associadas de forma permanente e estável.
 
 
Se a finalidade for a prática de crime determinado ou da mesma espécie, ainda que haja estabilidade e permanência entre os agentes, não há de se falar em quadrilha, mas sim em concurso eventual de pessoas.

 
Há de haver mais de um crime indeterminado porque tal tipo penal utiliza a expressão “CRIMES” no plural, demonstrando a exata intenção do legislador em punir a reunião estável e permanente de mais de três pessoas para a prática de dois ou mais crimes, indeterminados e de diferentes espécies.

 
Ademais, o crime de quadrilha ou bando exige para sua configuração um mínimo de organização hierárquica, com funções pré-estabelecidas e obrigações a serem cumpridas.

 
Dar outra interpretação ao referido dispositivo legal viola o princípio da legalidade e da interpretação in malam partem, valendo lembrar que a lei penal serve como garantia do indivíduo frente ao Poder estatal e não como legitimador de punição ou caminho para a realização de desenfreadas e tortuosas interpretações.

 
A conduta de pichar implica simplesmente na prática de crime de menor potencial ofensivo, não deixando margem para imputação do crime de quadrilha, haja vista a ausência de todos os requisitos necessários para sua tipificação.

 
Fato é que o Brasil sediará eventos importantes nos próximos anos, e com isso há a necessidade de se vender um produto mentiroso para o exterior, ou seja, mostrar ao mundo que apesar de subdesenvolvida e repleta de contrastes sociais, vivemos em uma cidade limpa e bonita, onde todos vivem harmonicamente.
Ora, o Direito Penal não pode ser invocado sob a falácia de se alcançar o interesse público. Caso contrário, chegará o momento em que a norma penal voltar-se-á contra a própria sociedade.

 
Não podemos esquecer que o Direito Penal é um poderoso instrumento de coerção social nas mãos do Estado, e que invocando o amplo e desconhecido conceito de interesse público, esse aparelho pode ser empregado para criar novas sanções contrárias á vontade do povo.

 
Veja a questão da tributação, utilizando-se do interesse público o Estado pode instituir novos tributos ou mesmo aumentá-los e tipificar como crime o seu não pagamento. Alguém vai aceitar?

 
Perceba, em detrimento do interesse público, direitos e garantias constitucionais são mitigados. É o que está acontecendo hoje com os pichadores, taxados de formadores de quadrilha simplesmente para permanecerem presos enquanto a cidade procura manter-se “limpa”, alcançando o tão importante interesse público.

 
Talvez amanhã, os direitos e garantias constitucionais reduzidos serão os seus!”
 
(*) por Felipe Couy, advogado. postado em: http://tcpadvogados.blogspot.com.br/2011/02/pichacao-segunda-lei-penal_4105.html
 
*****
 
“LEI Nº 12.408, DE 25 DE MAIO DE 2011.
 
Art. 1o  Esta Lei altera o art. 65 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispondo sobre a proibição de comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol a menores de 18 (dezoito) anos, e dá outras providências. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
 
Art. 2o  Fica proibida a comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol em todo o território nacional a menores de 18 (dezoito) anos.
 
Art. 3o  O material citado no art. 2o desta Lei só poderá ser vendido a maiores de 18 (dezoito) anos, mediante apresentação de documento de identidade.
 
Parágrafo único.  Toda nota fiscal lançada sobre a venda desse produto deve possuir identificação do comprador.
 
Art. 4o  As embalagens dos produtos citados no art. 2o desta Lei deverão conter, de forma legível e destacada, as expressões “PICHAÇÃO É CRIME (ART. 65 DA LEI Nº 9.605/98). PROIBIDA A VENDA A MENORES DE 18 ANOS.”
 
Art. 5o  Independentemente de outras cominações legais, o descumprimento do disposto nesta Lei sujeita o infrator às sanções previstas no art. 72 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
 
Art. 6o  O art. 65 da Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:
 
“Art. 65.  Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
 
§ 1o  Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa.
 
§ 2o  Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.” (NR)
 
Art. 7o  Os fabricantes, importadores ou distribuidores dos produtos terão um prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após a regulamentação desta Lei, para fazer as alterações nas embalagens mencionadas no art. 2o desta Lei.
 
Art. 8o  Os produtos envasados dentro do prazo constante no art. 7o desta Lei poderão permanecer com seus rótulos sem as modificações aqui estabelecidas, podendo ser comercializados até o final do prazo de sua validade.
 
Art. 9o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
 
Brasília, 25 de maio de 2011; 190o da Independência e 123o da República.
 
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Fernando Damata Pimentel
Izabella Mônica Vieira Teixeira
Anna Maria Buarque de Hollanda
 
Este texto não substitui o publicado no DOU de 26.5.2011″


volta ao topo